O Estado de S. Paulo |
10/9/2008 |
A Justiça tarda e, não raro, falha; ouve-se muito por aí a propósito das razões da impunidade no Brasil. O argumento, embora real, vira pó na boca de qualquer uma das autoridades que constantemente ignoram decisões judiciais, com especial destaque para a corrente indolência em relação ao cumprimento da sentença do Supremo Tribunal Federal sobre a contratação de parentes no poder público. Estamos prestes a entrar a terceira semana desde que o STF baixou um “cumpra-se” no princípio constitucional da impessoalidade no serviço público, em vigor há 20 anos, e até agora a regra geral é a da solene indiferença. Descontadas ousadias explícitas - como as do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, e do governador do Paraná, Roberto Requião, que protegeram os parentes nas lacunas da sentença -, as demissões foram exceções. Nada fora do previsto, diga-se. Estava perfeitamente desenhado no horizonte esse cenário. O Judiciário deu-se 90 dias de prazo por intermédio do Conselho Nacional de Justiça e o Executivo de um modo geral não deu pelota. O Legislativo, mais visado, move-se à velocidade de um paquiderme: a cada notícia na imprensa sobre o tema, um passo. Ontem mesmo, o Estado publicou reportagem mostrando o quadro da indolência em âmbito nacional e a direção do Senado tomou uma decisão: informou às excelências integrantes da Casa revisora das leis que a decisão do Supremo é para ser cumprida. Choveu no molhado e inócua permanecerá a ordem “imediata” para que se procedam as demissões, simplesmente porque não há como obrigar os senadores a demitir os parentes. Aliás, não há outra maneira senão a iniciativa própria de fazer valer a sentença em qualquer um dos Poderes da administração pública. Chamar a polícia, expulsar os familiares, pôr para correr mulheres, maridos, sobrinhos, tios, irmãos, primos de parlamentares, magistrados, poderosos donos de cargos de confiança para distribuir? Impossível. Como não há punição nem disposição de nenhuma das autoridades máximas em cada nicho de poder País afora de enfrentar suas corporações e as respectivas deformações, trata-se de uma determinação destinada a cair no vazio mais cedo ou mais tarde. Ou devidamente reformulada por alguma nova legislação, caso o assunto continue a render desconforto. Por enquanto, busca-se ganhar tempo sob os mais variados pretextos. Assembléias legislativas alegam que estão em processo de “levantamento” de dados sobre os parentes contratados e justificam a lentidão com a ausência dos parlamentares por causa das campanhas eleitorais. Em escalões mais elaborados, quem não fica impávido posto em silêncio apela à necessidade de maiores esclarecimentos quanto aos limites entre o proibido e o permitido ou invoca o caráter injusto e radical da decisão. Como se a questão estivesse em aberto e não fosse suficientemente clara a recusa do poder público em cumprir uma decisão da Corte Suprema de seu país. Retomada A suspensão do depoimento do ministro da Defesa, Nelson Jobim, marcado para hoje na CPI dos Grampos, não é obra do imprevisto nem causa a menor estranheza. Se o governo quer esfriar a temperatura do debate sobre as escutas clandestinas, a última coisa que poderia interessar seria a presença de Nelson Jobim na CPI. Surpreendente e esquisito foi o ministro da Defesa ter aceitado o convite e ainda prometido exibir a prova de que a Agência Brasileira de Inteligência está ilegalmente equipada para grampear. Gestos ainda carentes de explicação, já que o ministro da Defesa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, deputado “de ponta” na Constituinte, organizador do texto da Carta, não seria tolo muito menos louco de fazer aquilo sem respaldo. Perdido temporariamente o leme ante a urgência de atender à exigência do Supremo Tribunal Federal por uma atitude “efetiva”, o Planalto retoma o seu padrão de administração de crises e empurra mais essa com a barriga, deixando como está para ver como é que fica. Quando do episódio dossiê-FHC, a ministra Dilma Rousseff só foi ao Congresso depois de dois adiamentos. Vale-crise Agora que o governo federal se sente mais seguro - pelo menos até segunda ordem - na direção do caso das escutas, é hora de conferir o grau de apego do Palácio do Planalto ao plano de privatização de aeroportos, começando pelo internacional Tom Jobim, no Rio. Propenso a aceitar a idéia, mas sempre resistente a executá-la, o governo achou por bem ceder aos apelos capitaneados pelo governador Sérgio Cabral, justamente no auge da discussão sobre a compra de equipamentos de interceptação por parte da Abin. As manchetes, ocupadas pela guerra de versões entre autoridades durante três dias, abriram-se ao projeto de privatização nos dois seguintes. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 10, 2008
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