Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 13, 2008

Diplomacia incoerente -Ruy Fabiano

blog Noblat



Diplomacia incoerente

Ambigüidade costuma ser ferramenta útil em política externa. Permite que se evitem precipitações e part pris desastrosos. Mas ambigüidade não significa, não pode significar, incoerência. Só é legítima enquanto rito de passagem, na expectativa de que os fatos se tornem mais nítidos e permitam opção mais consciente e sensata.

No caso da política externa brasileira no Continente, não se trata de ambigüidade – e sim de incoerência. Dois pesos e duas medidas. Basta ver o comportamento do Itamaraty em relação à Colômbia, de Álvaro Uribe, e à Bolívia, de Evo Morales.

As Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são mundialmente reconhecidas como grupo terrorista. O tom ideológico que busca impor à sua causa desfaz-se diante de seus métodos criminosos: assassinato e seqüestro de inocentes para obtenção de dinheiro (calcula-se que há 2.800 seqüestrados em poder dos guerrilheiros), venda de drogas, roubo de gado etc.

Diante delas, a diplomacia brasileira abstém-se. Não admite nem sequer o rótulo de "grupo beligerante". Considera-as "legítimas" e ofereceu, inclusive, o território nacional para um encontro entre aquelas lideranças e o governo constitucional da Colômbia, eleito pelo povo. Em 6 de março deste ano, na seqüência da morte de Raúl Reyes, segundo no comando das Farcs, Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula para a política externa, declarou o seguinte ao jornal francês Le Figaro:

- Eu lhes lembro que o Brasil tem uma posição neutra sobre as Farcs: nós não as qualificamos nem de grupo terrorista nem de força beligerante." E disse mais: "Acusá-las (às Farcs) de terrorismo não serve pra nada quando a gente quer negociar.

Diante, porém, da oposição a Evo Morales, que recorreu também a expedientes terroristas (embora bem menos contundentes que os das Farcs), explodindo tubulações de gás e desafiando por meio de armas o governo constitucionalmente eleito, a conversa é outra. Ameaça-se de rompimento de relações se a oposição tomar o poder e, até, de auxílio armado para o governo de Morales. São palavras do mesmo Garcia, ditas há três dias:

- O Brasil não reconhecerá o governo que queira substituir um governo democraticamente constituído".

E classificou de "terroristas" os ataques às instalações para o transporte de gás para o Brasil.

Não há dúvida de que foram, mas por que não reconhecer o mesmo em relação às ações das Farcs, que são mais antigas, constantes e violentas, e desafiam um governo também eleito democraticamente? Como agravante, as Farcs geram danos colaterais ao próprio Brasil.

Sabe-se, por exemplo, que fornecem drogas aos traficantes brasileiros, em troca de armas, e tinham no notório Fernandinho Beira-Mar, do Comando Vermelho, um dos pilares do crime organizado no Brasil, um interlocutor constante. Fernandinho está preso, mas o Comando Vermelho continua na ativa e deve dispor de outros negociadores.

Álvaro Uribe, presidente constitucional da Colômbia, tem o apoio de mais de dois terços dos 40 milhões de colombianos. Os militantes das Farcs reúnem cerca de oito mil pessoas. Não obstante essa disparidade numérica, o governo brasileiro considera que o que há na Colômbia é um confronto "legítimo" de forças políticas, cuja via de solução é a negociação, para a qual se oferece como mediador.

Na Bolívia, quase metade da população contesta Morales, e o governo brasileiro considera "ilegítima" aquela contestação e, em vez de propor mediação, a ameaça previamente, com a força de sua liderança no Continente. Dois pesos e duas medidas. Não é ambigüidade; é incoerência.

 

Ruy Fabiano é jornalista


Arquivo do blog