Um absurdo acontece nos nossos narizes. Quando respiramos nas grandes cidades, inalamos enxofre expelido pelos combustíveis, principalmente o diesel.
Nos Estados Unidos, Europa, Taiwan e México, o teor de enxofre no diesel já caiu. No Brasil, há sete anos, uma resolução determinou a limpeza do combustível.
A Petrobras garantiu que vai cumpri-la em 2009. Não cumprir tem custo financeiro e em vidas humanas.
A resolução 315 do Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 2002, estabeleceu que o diesel brasileiro teria que ter 50 partes de enxofre por milhão.
Este é um movimento mundial e, comparado ao produto de outros países, o nosso é um lixo só. Nos Estados Unidos, há anos, já foi atingido o nível de 50 partes por milhão (ppm).
Agora se busca a meta de 15 partes por milhão. Na Europa, a meta hoje é de 10 ppm. No Brasil, o diesel tem 500 partes de enxofre por milhão nas grandes cidades e 2.000 no interior do país. A gasolina tem 1.000 ppm. Porém o diesel preocupa mais porque é um composto mais pesado; as partículas emitidas são mais danosas à saúde humana.
Se a regulação do Conama, enfim, entrar em vigor no ano que vem, o nível de enxofre cairá para 50 ppm tanto no diesel das grandes cidades quanto no do interior.
Mesmo quando chegarmos lá, estaremos atrás do México, que hoje são 50 ppm e, no ano que vem, vai para 15. Taiwan chegou aos 50 ppm há 4 anos. No Canadá, que tem um petróleo pesado, eram 340 ppm, hoje são 30. São vários os países grandes e médios que já vêm atingindo níveis cada vez menos nocivos.
Este caso contém os sinais de vários defeitos do Brasil: o excessivo poder da Petrobras; a ineficiência dos órgãos regulatórios, principalmente da ANP; o descaso com a saúde do cidadão; o lobby da indústria automobilística.
O Conama deu um enorme prazo para que a sua determinação fosse cumprida, mas a Agência Nacional do Petróleo, que teria de informar as especificações técnicas dos combustíveis, deixou o tempo correr. Só em outubro e, após muita pressão de entidades como o movimento Nossa São Paulo, OAB, Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, entre outros, divulgou as especificações.
Começou então um movimento para adiamento da entrada em vigor da resolução, marcada para janeiro de 2009. Ou, pelo menos, para uma implantação gradual.
As entidades reagiram.
O Ministério do Meio Ambiente avisou que não vai aceitar adiamentos. Na sexta-feira mesmo, o ministro Carlos Minc reiterou isso, dizendo que exigirá compensações da Petrobras e da Anfavea caso elas não cumpram o prazo. Procurada pela coluna, a Petrobras garantiu, também na sexta-feira, por escrito, que “a Companhia vai fornecer o diesel 50 ppm a ser utilizado pelos veículos com tecnologia P-6 da resolução 315. Este produto já está inclusive disponibilizado pela companhia para testes por parte da indústria automobilística”.
Este diesel cheio de enxofre é o principal culpado pela poluição gerada pelo trânsito. A poluição causa várias doenças respiratórias e até câncer de pulmão; 5% dos casos são causados pela poluição. No mundo, 2 milhões de pessoas morrem por ano com doenças decorrentes da poluição do ar.
O professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, coordena um levantamento que mede a incidência de poluição em grandes cidades: Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Segundo ele, o monitoramento era muito falho, o que faz com que se argumente, muitas vezes, que só São Paulo e Rio têm problemas com a poluição: — Todas essas cidades em que fizemos a pesquisa estão com níveis acima do que é recomendado mundialmente.
Apenas Recife está só um pouco mais alto.
O professor fez uma conta considerando a população economicamente ativa, entre 20 e 60 anos, na região metropolitana de São Paulo; ele chegou a um custo de US$ 1,5 bilhão, por ano, por causa de problemas decorrentes da poluição. Ainda que só 10% da frota sejam a diesel, esse combustível é o responsável por 50% das emissões do material particulado fino, que forma a fumaça preta, que é um dos maiores responsáveis por mortes e doenças respiratórias do país. De acordo com Paulo Saldiva, a poluição é a causa de cerca de 400 mortes por ano só na cidade de São Paulo.
O professor Roberto Schaeffer, da Coppe, pondera que o problema da poluição não é apenas o diesel nos ônibus e caminhões. O carvão como fonte de energia emite muito enxofre. É uma importante parte da matriz energética da Europa, da China e da Índia: — O mais importante é a concentração de poluente no ar. O Brasil hoje é relativamente menos poluído devido à matriz energética.
Quem respira o ar de São Paulo dificilmente concordaria com isso. Não precisa ser especialista em saúde para saber que respirar enxofre provoca vários danos aos seres humanos. Não precisa ser economista para saber que isso representa maior custo fiscal, pelo impacto na Saúde. Não precisa ser especialista em regulação para saber que alguma coisa está errada num país em que a determinação de um conselho ambiental feita com tanta antecedência precisa da pressão da sociedade civil, dos especialistas, dos ambientalistas, para que se tenha esperança de que ela será cumprida.
A Petrobras, em sua nota, disse que vem retirando gradativamente o teor de enxofre do diesel e da gasolina desde o começo dos anos 90 e garante que investiu US$ 1,6 bilhão de 2000 a 2007 para melhorar a qualidade dos combustíveis.
Não há razão para novos adiamentos, a tecnologia de redução de enxofre já está dominada e é um imperativo de saúde pública.
Entrevista:O Estado inteligente
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