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50 anos de idade, quase todos da fase adulta dedicados à defesa dos direitos humanos, o secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Ricardo Balestreri, vai logo avisando: “Não sou um romântico”.
Faz a ressalva meio na defensiva, a título de introdução à análise sobre as razões pelas quais, na sua visão de estudioso, consultor e agora executivo da área de segurança pública, os governos do Brasil pós-redemocratização não conseguem dar um passo adiante no combate à criminalidade.
São quase que meros espectadores inertes do agravamento da situação. Isso embora a insegurança esteja no topo da lista das preocupações da população e, nem Fernando Henrique Cardoso nem Luiz Inácio da Silva - para citar apenas os dois eleitos e com mandatos em ambiente de normalidade institucional - possam ser acusados de insensibilidade política e social.
Cuidaram da economia como quem amamenta um bebê a inspirar cuidados permanentes. Sabem que, se tivessem dado um jeito pelo menos na contenção da violência, seriam sérios candidatos à consagração unânime.
Se não é alienação, indiferença ou desumanidade, qual é o obstáculo? Nos dois grupos, antagônicos no campo partidário, a dúvida perpassa, mas não produz uma resposta.
Ricardo Balestreri não concorda com uma tentativa de explicação, segundo a qual a geração oriunda da esquerda quer distância de assuntos ligados à repressão. Por motivos óbvios.
O secretário nacional de Segurança acha simplista o raciocínio, embora sustente sua análise a partir de uma premissa relacionada aos procedimentos do governo autoritário. “A ditadura afastou a polícia do povo e a democracia ainda não devolveu.”
E por quê? “Porque nos países premidos pelo senso comum, a discussão fica rasteira, muita gente palpita, poucos entendem e, como a violência causa sofrimento e fadiga, o cidadão cobra com emoção, o poder público procura corresponder também com emocionalismo que, mal conselheiro, não resolve nada.”
Nesse ambiente, aponta o secretário, acaba prevalecendo a lógica da eliminação: trancafiar todo mundo, matar a maioria.
“Prendendo todos conseguiremos, no máximo, aumentar o contingente de doutores no crime e, matando, não resolvemos porque no dia seguinte o bandido é substituído por outro convocado no exército de reserva das organizações de delinqüências, em geral mais jovem e mais cruel. Se matar fosse a solução, o Brasil, com seu enorme índice de letalidade de criminosos, seria o país mais seguro do mundo.”
Portanto, na opinião dele, a primeira tarefa é alterar procedimentos. “A lógica do Estado tem de ser a da racionalidade, do conhecimento, da informação, da repressão qualificada.”
Antes de prosseguir na receita, segundo ele em parte já em execução pelo Ministério da Justiça, Balestreri esclarece uma questão: acha um equívoco falar em poder paralelo do crime. “Isso não existe, assim como não é na favela que mora o crime organizado.”
O poder do crime, hoje, diz, não é paralelo, é “transversal” ao Estado, perpassa todas as instâncias oficiais, “freqüenta os melhores ambientes e, por isso, é tão difícil de combater”.
O secretário remexe na ferida: “Por que no regime militar o Estado conseguia combater quem via como inimigo e hoje não consegue”? Contaminação decorrente de corrupção.
Mas não só e aqui chegamos onde ele localiza o verdadeiro crime organizado. “Nas altas esferas do poder econômico e político. A raiz está em cima. Os delinqüentes, ainda que de porte, são empregados dessa gente que não põe diretamente a mão na lama, mas está à frente de uma indústria poderosa que hoje representa um quarto da economia mundial.”
Então, estamos perdidos, sem solução?
Ricardo Balestreri não confunde dificuldade com rendição. Do povo “de cima” acha que a Polícia Federal (“com todas as imperfeições”) começou a cuidar quando se voltou primordialmente para os crimes de colarinho-branco. Este é um patamar.
No outro, da esfera do dia-a-dia, que chama de “crime ordinário” - o assalto, o estupro, o homicídio, a ação de gangues - a solução por ele sugerida é a reforma das polícias, mas na direção oposta à da tese de aceitação geral sobre a unificação das polícias civil e militar.
“Seria o mesmo que obrigar um casal em desarmonia a viver junto, o risco de se matarem é grande.” Na opinião dele, cada uma das polícias deveria ter autonomia para fazer o trabalho completo de prevenção, investigação e prisão.
“Do jeito como está hoje temos duas meias polícias e não temos nenhuma. A militar trabalha no modelo ultrapassado do radiopatrulhamento em que a polícia passa mas não fica e não está presente quando o cidadão precisa, e a civil é um cartório de ocorrências mortas”, diz o secretário.
Há esperança de mudança em breve?
“Vou defender que o governo Lula não termine sem apresentá-la.”
Quando? “A partir de 2009 seria bom.”
De fato. Basta convencer suas excelências a prestarem atenção em alguma coisa que não seja a sucessão de Lula.