PANORAMA ECONÔMICO
Qual absurdo é pior? O Ministério da Justiça determinar a reparação política de vereador que trabalhou sem salário na ditadura; o uso de algemas em suspeitos virar uma questão suprema; o Tribunal Regional Eleitoral do Rio ter detector de metais, porque existem 100 candidatos acusados de homicídio ou o candidato apoiado pelo tráfico de drogas aparecer no horário eleitoral com um debochado “nada consta” na camiseta?
Tem mais nesse campeonato de absurdos. A candidata Núbia Cozzolino, de Magé (RJ), com 29 ações por improbidade administrativa, comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal de efeito suspensivo das fichas sujas com a frase: “Agora quem diz não é a Núbia, é o Gilmar Mendes.” A sensação de impunidade se espalhou entre os candidatos de má-fé — e fama idem — desde que o STF decidiu que pode se candidatar quem tiver sido condenado “apenas” em instâncias inferiores.
Eles sabem que o tempo corre a favor deles. Leva muito mais que o tempo de mandato para que um processo possa transitar todas as instâncias, contornar todas as chicanas, aguardar todos os prazos, percorrer toda a burocracia, atender a todos os pedidos de vista. Os prazos da Justiça brasileira garantem a qualquer candidato com maus antecedentes o exercício dos seus mandatos em paz. Fica assim invertido o grande princípio do Direito: em vez de “na dúvida, a favor do réu”; o STF decidiu que na dúvida, contra os cidadãos.
Este é um momento de se elogiar o Supremo Tribunal Federal. Afinal, ele acaba de proibir o nepotismo.
É um alívio no tempo dos absurdos. Mas aqui o bem vem a prazo e corre risco de ser flexibilizado; já o mal é imediato.
Os candidatos fichassujas já estão aí. As eleições serão feitas sob a égide da impunidade. A política continuará a atrair quem quer a imunidade por maus motivos. Já o fim da contratação de parentes talvez tenha que esperar mais. Congressistas falam em flexibilizar a regra no Legislativo. Nos estados, Assembléias Legislativas ensaiam resistência.
Parecem querer inventar o princípio in dubio pro parente, apesar da súmula vinculante número 13.
Azar o nosso.
Apesar de a decisão sobre o nepotismo ser uma lufada de ar fresco nas aflições dos cidadãos brasileiros, permanece o perigo mais imediato: os candidatos criminosos, que ameaçam a política brasileira.
A decisão nasceu de um dilema real: como preservar o princípio da presunção da inocência? O problema é que há uma mistura que torna mais difícil uma decisão justa.
Existem candidatos que estão nesta lista apenas por processos iniciados por adversários políticos no calor da disputa eleitoral; há políticos notórios por improbidade, mas cujos processos estão tramitando; existem candidatos que respondem por crime comum. Como separar esses grupos? É complexo, sim. Se fosse trivial não precisava ir ao Supremo.
O tribunal tomou o caminho mais fácil e automático: decidiu que é preciso que o processo tenha transitado em julgado antes que se considere alguém inelegível. Parece muito justo. Afinal, in dubio pro reo. A mais alta corte do país, ao tornar esse direito absoluto, expôs a sociedade a risco. O desafio está exatamente em ser capaz de encontrar algum caminho entre a presunção da inocência e a proteção da sociedade.
Para isso, existe a gradação das penas, um dos avanços do Direito. Criminosos comuns têm que ter um tratamento diferente, mais severo, que os que respondem a processos eleitorais. E, neste outro grupo, é preciso fazer outra separação entre quem foi condenado por juiz de primeira instância e aqueles que já foram condenados por um colegiado em segunda instância. Se a decisão de um juiz pode ser idiossincrática, ideológica ou simplesmente errada; uma condenação num tribunal regional é uma decisão colegiada.
Deveria ser confirmação suficiente.
Do contrário, poderemos ter aquele hipotético absurdo de um Antônio Pimenta Neves ser candidato, porque, afinal, seu caso ainda espera que um ministro do Superior Tribunal de Justiça conclua o pedido de vista. Ele é réu confesso de homicídio, condenado em dois julgamentos, porém, mesmo assim, permanece solto.
Se isso já não fosse absurdo suficiente; se quisesse, poderia ser candidato já que, para o Supremo, a vida pregressa e processos em andamento não podem impedir ninguém de ser candidato.
Fernandinho Beira-Mar também tem “processos em andamento”. Os princípios da probidade e da moralidade que os ministros do STF viram na correta decisão de proibição de contratação de parentes não valeram, infelizmente, para proteger a política brasileira.
O Brasil tem convivido diariamente com absurdos.
O Ministério da Justiça concedeu “reparação política” para os vereadores do período militar ao custo de, no mínimo, R$ 500 milhões. O Supremo toma decisões que deviam caber à Polícia Federal. A Polícia Federal exorbita de seus poderes, transformando o país numa grampolândia, e isso é tratado com naturalidade até pelo ministro da Justiça. Só para ficar em alguns exemplos.
O Brasil é país de democracia recente. Esses golpes confundem o cidadão, minam a confiança no sistema democrático. Isso é o mais assustador.
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COM DÉBORA THOMÉ
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