O Estado de S. Paulo |
29/8/2008 |
Já sou velho o suficiente para não me deixar encantar pelas ilusões românticas com que pretendem nos envolver exaustivamente, por intermédio da mídia. Agora mesmo, por exemplo, sou obrigado a tomar conhecimento, pelos jornais, de que a eterna pendenga relativa à reserva indígena Raposa Serra do Sol permanece inconclusa. É isso mesmo: há um novo conflito à vista entre índios e arrozeiros nos confins do Estado de Roraima. Não há nada mais tedioso do que esses recorrentes confrontos. Primeiro, porque Roraima continua um território economicamente irrelevante. Segundo, porque o Estado em questão dista alguns milhares de quilômetros de qualquer centro urbano que nutra a pretensão de vir a ser importante - alô, presidente Lula, o onipresente Bolsa-Família já chegou àquelas plagas? Terceiro, porque a população indígena, no Brasil, é rarefeita - quase inexistente -, ao contrário dos indigenistas (destes existe um a cada esquina, todos falando um inglês impecável). E, finalmente, quarto, porque ninguém sabe ao certo a quem cabe a razão nessas desinteligências. O que deu para se apurar, de certo, até o presente momento, é o seguinte: existe, em matéria de índios, duas tendências mais ou menos claras. Uma, a daqueles que defendem a volta pura e simples dos “selvagens” à natureza. (Conjugam-se os verbos aqui no futuro do pretérito: ninguém é autoridade inconteste para ditar regras sobre como se daria essa “volta ao campo”, da mesma forma que ninguém minimamente sério ousaria garantir que essa gente toda, uma vez de volta à vida campestre, teria um comportamento toleravelmente harmonioso, que é o que se espera de silvícolas de índole rousseauniana.) Na outra margem do rio - tão belicosos quanto os primeiros - existem aqueles que acreditam que jamais um índio que tenha tomado contato com os “civilizados” reúna condições mínimas para estabelecer um pacto indígena satisfatório. Em comum, as duas tendências só comungam em duas convicções: a de que os “ex-selvagens” deveriam ser intransigentemente protegidos pelo governo da União e a de que essa “proteção” deveria consumar-se da velha e eficiente forma criada pelos fenícios - ou seja, por meio do vil metal. Argumentos não faltam a essa briosa gente: o principal deles gira em torno da forma perversa como os indígenas foram apartados da mãe natureza: eles, ao que se sabe, não tiveram escolha. Devem, por conseqüência, ser, agora, devidamente reparados. E não será com um ridículo “bolsa-esmola”, não, porque esses passivos seriam milhares de vezes maiores. Entre essas duas correntes, vem ganhando cada vez mais força uma terceira, aparentemente mais conciliadora, que nasceu, ao que se sabe, da própria cabeça dos silvícolas. Tanto faz quem espoliou quem. O que importa é o aqui e agora. O índio brasileiro é perfeitamente capaz de arrancar rumo ao desenvolvimento, desde que lhe sejam garantidas algumas modestas prerrogativas, dentre as quais pontifica o legítimo direito de explorar as suas terras da forma que bem entenderem. Entenda-se, aqui, o monopólio da lavra dos recursos minerais, a livre exploração da floresta, bem como a dos seus frutos. Caso se mostre inviável este aproveitamento, os índios seriam figuras jurídicas aptas a subcontratar empresas que o façam. Esta fórmula claudica pelo fato de que as terras ditas indígenas representam nada menos do que 15% do território nacional, o que, na prática, inverte a equação: pobres e desvalidos passariam a ser os chamados “brancos”, que nem sonham em gozar de tais prerrogativas. Os “brancos”, na prática, são a gata borralheira da história. Não possuindo tais privilégios extrativistas e contando apenas com a sua disposição para o trabalho, tudo o que mais desejam é a garantia de terras para trabalhar. Ser índio, no Brasil, revela-se, assim, um bom negócio. Embora correndo o risco de parecer “politicamente incorreto”, não me poderia omitir quanto às minhas simpatias pelos pleitos e aspirações das causas dos “brancos”. Só não vê quem não quer: os indígenas, na prática, já usufruem as prerrogativas que pleiteiam no papel. Com a vantagem adicional de estarem permanentemente em foco na imprensa internacional e contarem com a incondicional simpatia desta. Todos os dias, na mídia, encontram-se notícias de extravagâncias realizadas pelos herdeiros de Peri, tais como fretamento de jatos executivos, aluguel de andares inteiros nos hotéis das maiores cidades e dispêndio de fortunas com a contratação dos serviços profissionais de competentes rameiras (índio também gosta disso). Por outro lado, não se ouve falar de gastos nababescos realizados pelos espartanos “brancos”. Parece que o dinheiro é curto na seara dos “caras-pálidas”. E parece que nascer índio é realmente um excelente negócio no Brasil, somente suplantado pela condição de viver como índio. Consta que os “brancos”, quando morrem, não sonham com paraísos. Tudo o que almejam é, nas próximas encarnações, voltar para o mundo como legítimos indígenas. Não sou adepto da escola dos “politicamente corretos” e tampouco rezo pelo catecismo do clero progressista. Não tenho, portanto, obrigações com corrente ideológica alguma. É por essas razões que não tenho nenhum constrangimento em manifestar a minha simpatia irrestrita pela causa dos “brancos”. Eles só querem trabalhar. Meu Deus, será que, em tempos petistas, até isso virou pecado? |
Entrevista:O Estado inteligente
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