Estimativa mais pessimista do UBS para gasto com extração de petróleo na bacia de Santos equivale ao valor do PIB de 2007
"Essa história de que não há risco no pré-sal não existe", afirma Murilo Marroquim, do Instituto Brasileiro de Petróleo
ROBERTO MACHADO
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
O custo total de exploração e produção de petróleo da área do pré-sal, só na bacia de Santos, pode chegar a US$ 1,2 trilhão, segundo estimativa apresentada ontem, em seminário no Rio, pelo analista do banco UBS Pactual Gustavo Gattass.
No cenário mais "otimista", o custo será de US$ 635 bilhões -conforme estimativa que o UBS Pactual havia divulgado há alguns meses. Para efeito de comparação: todo o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro somou US$ 1,3 trilhão em 2007.
A diferença entre os dois cenários se deve a uma série de fatores: o volume de óleo extraído de cada poço, o tempo gasto na perfuração e o custo do aluguel de equipamentos -como sondas de perfuração.
No cenário mais pessimista, a produção dos poços será menor e o custo pode dobrar, segundo Gattass: "Com 20 mil barris diários de produção por poço, o custo total pode ficar em US$ 12,5 por barril. Se ficar em 10 mil barris diários, aí sobe para US$ 25".
O analista observa que, nas duas hipóteses, trata-se só de projeção -e hoje ainda é impossível determinar com alguma previsibilidade quanto custará extrair o petróleo que está abaixo da camada de sal: "Do ponto de vista prático, ainda não foi testado".
O confronto entre as duas estimativas do UBS Pactual joga luz sobre questões ainda sem respostas na discussão sobre o pré-sal: não há informações disponíveis sobre o tamanho das reservas, a produtividade dos campos e a infra-estrutura operacional necessária para extrair o petróleo.
Mas tudo isso terá impacto sobre a equação que norteia os investimentos em qualquer país ou setor: os custos da operação confrontados com o retorno financeiro estimado. No limite, num cenário de preço do barril em baixa e alto custo de extração, o pré-sal pode vir a se tornar pouco atrativo.
O governo e a Petrobras trabalham com a hipótese de baixo risco exploratório -o que foi questionado por representantes do setor privado, em seminário realizado pelo IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo) e pela Fundação Getulio Vargas.
Segundo representantes da indústria, ainda não é possível determinar os riscos geológicos e comerciais na exploração do pré-sal -nem os custos de extrair petróleo em condições inéditas no mundo, a 300 quilômetros da costa e a 7.000 metros de profundidade.
O coordenador do comitê de exploração e produção do IBP, Murilo Marroquim, disse que há risco de os custos do pré-sal serem muito maiores que os esperados. "Há também o risco de os reservatórios não corresponderem em termos de produtividade. Essa história de que não há risco no pré-sal não existe", disse Marroquim, observando que a Petrobras furou mais de 150 poços no pré-sal da bacia de Campos sem encontrar reservas de petróleo com viabilidade comercial.
Segundo o documento do UBS Pactual, só na primeira etapa da exploração a Petrobras terá que desembolsar US$ 20 bilhões na bacia de Santos -e as sócias privadas entrariam com outros US$ 16 bilhões: "E esses US$ 36 bilhões são apenas o que é preciso para começar a recuperar investimento. Até aí você só colocou dinheiro, não está tirando nenhum", disse Gattass.
Impostos
O estudo do UBS mostra ainda que a carga de impostos em Tupi será recorde para a indústria de petróleo do país -podendo ultrapassar 63% do lucro obtido com a exploração e a comercialização do óleo.
Como a carga tributária leva em conta a produtividade e a rentabilidade dos campos e poços, num cenário em que o petróleo está cotado a US$ 121 no mercado internacional, os impostos levariam 63,3% do lucro obtido no campo de Tupi.
Já num cenário de redução drástica do preço do barril -para uma faixa de US$ 60-, os impostos subiriam a 65%, ultrapassando a média da Noruega (64%), apontada como uma das mais altas cargas tributárias ao redor do mundo.
O economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central, afirmou que os investimentos necessários para viabilizar a exploração do petróleo na camada pré-sal podem fazer o Brasil chegar a um ritmo de crescimento de 6% ao ano.
"Isso vai representar um salto em direção ao crescimento sustentável", disse Langoni, ressaltando que a estimativa inclui os investimentos que serão feitos em toda a cadeia industrial e de serviços que atende ao setor do petróleo.
Na avaliação do ex-presidente do BC, a taxa de investimento da economia -essencial para garantir um crescimento sustentável- subirá dos atuais 16% para cerca de 25%. Langoni descartou também os efeitos da chamada "doença holandesa", quando a dependência de uma única commodity provoca desindustrialização.
Setor privado já admite partilha da produção
DA SUCURSAL DO RIO
As petrolíferas privadas já admitem a adoção do modelo de partilha de produção para as áreas ainda não licitadas do pré-sal. Em seminário realizado ontem, no Rio, marcado pela defesa das atuais regras para o setor de petróleo brasileiro, o presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e da filial brasileira da Repsol, João Carlos De Luca, afirmou que o setor privado está preparado para a mudança."Defendemos a manutenção do atual modelo [baseado em concessões], que é bem-sucedido. Mas a indústria mundial está acostumada a trabalhar nos dois modelos, seja o de concessão seja o de partilha de produção. E aqui também estamos preparados", disse.
O presidente da IBP ressaltou, no entanto, que o governo federal deveria, antes de adotar a partilha de produção, esgotar a possibilidade de ajustes no modelo atual: "O governo pode obter os mesmos recursos [financeiros] em qualquer um dos dois modelos, se tiver os contratos adequados".
Desde o início das discussões sobre as mudanças no marco regulatório do setor de petróleo- diante das descobertas no pré-sal-, a adoção do modelo de partilha passou a ser ventilada pelo governo (também chegou a ser defendida pelo presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli). Inicialmente, a idéia contou com forte resistência do setor privado.
No modelo de partilha, a propriedade do petróleo é do Estado, que busca parceiros para a exploração, dividindo os riscos, os investimentos e os lucros. Geralmente é adotado em regiões de baixo risco exploratório.
Já no modelo de concessões, o governo concede às empresas, por meio de contratos, o direito à exploração. As companhias passam a ser donas da produção -e pagam royalties e participações ao Estado. É mais comum em áreas de alto risco exploratório.
O presidente do IBP afirmou ainda que, caso o governo decida adotar o modelo de partilha, a entidade pretende levar sugestões ao conselho interministerial que estuda as mudanças na legislação do petróleo.
"Queremos preservar a transparência nas licitações, mesmo no modelo de partilha. Este, aliás, não é um ponto forte do modelo norueguês, que é o que tem sido ventilado como exemplo. Na Noruega, o governo escolhe as propostas [sem licitações]. Aqui, pode perfeitamente ser feito ao lado de licitações, em que todos participem", disse De Luca.
No seminário, o professor da USP Floriano de Azevedo disse que a criação de uma estatal para administrar as áreas do pré-sal pode ser inconstitucional: "Tem que ter uma razão de segurança nacional ou de interesse coletivo. E será preciso provar que ela será imprescindível para a exploração de petróleo".
No front jurídico, o IBP já encaminhou ao governo federal um parecer cuja conclusão é que os contratos de licitações já assinados não podem ser mudados. "O respeito aos atuais contratos é o primeiro ponto que nós defendemos. Ninguém quer ter esqueletos jurídicos. Essa também é uma preocupação do governo", disse De Luca.
Ainda segundo o presidente do IBP, a "irreversibilidade dos contratos" alcança também os royalties e as participações especiais previstos nos contratos já assinados, que incluiriam inclusive os campos do pré-sal, como Tupi: "A conclusão é a de que não são impostos, mas sim compensações financeiras. Portanto, fazem parte do contrato e não podem ser alterados". (RM e JL)