Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 30, 2008

O risco Argentina



Dificuldades crescentes enfrentadas pelo governo argentino para administrar sua enorme dívida externa estão trazendo de volta o temor de um novo calote. A presidente Cristina Fernández de Kirchner, há pouco mais de oito meses no cargo que antes foi ocupado pelo marido Néstor, imaginava ter encontrado no presidente venezuelano, Hugo Chávez, um aliado com poder financeiro suficiente para evitar que surgissem também na área externa problemas tão complicados como os que acumulou internamente desde a posse. Mas a excessiva dependência de Chávez também se transformou em problema.

Em 2002, depois de declarado o default da Argentina, o governo de Néstor Kirchner impôs aos credores a troca dos títulos da dívida - que ultrapassava os US$ 150 bilhões - por outros papéis, com deságios que significaram pesadas perdas para os investidores. Os detentores de cerca de US$ 20 bilhões em títulos recusaram-se a fazer a troca e, desde então, pressionam o governo argentino nos tribunais. Agora, noticia-se que o governo de Cristina Kirchner estaria disposto a amortizar 65% da parcela dos novos títulos que vencem em 2009 e trocar os 35% restantes por bônus, com vencimento em 2033. Além disso, cerca de US$ 6 bilhões devidos pela Argentina a credores oficiais reunidos no Clube de Paris ficaram sem renegociação no governo de Néstor Kirchner, e sem amortizações desde então. E os credores não aceitam renegociar o débito enquanto a Argentina não admitir a interferência do FMI - o que o governo de Cristina Kirchner considera inadmissível.

Sem ter acesso ao sistema financeiro internacional, o governo argentino corre o risco de não conseguir atender às suas necessidades de financiamento externo em 2009. E a situação se deteriora. Há pouco mais de duas semanas, a agência de riscos Standard & Poor?s rebaixou a classificação dos títulos argentinos para B-, que é apenas dois degraus acima do risco iminente de calote. Alguns dias depois, foi a agência Moody?s que reduziu a nota da dívida argentina (que, para essa agência, ainda está no nível "estável"). Na semana passada, a agência Fitch informou que está avaliando o desempenho da economia argentina e não afastou a possibilidade de reduzir a nota do país. O Banco de Espanha, que é o banco central espanhol, classificou a Argentina como um país "com risco elevado ou muito elevado" nos campos comercial, econômico e de investimentos.

A condução da política econômica pelo governo Kirchner, duramente contestada no país e no exterior, agrava a crise. Por exemplo, o governo passou a manipular os índices de inflação, entre outros motivos, porque a remuneração de 40% dos novos títulos da dívida, de US$ 150 bilhões, está indexada. Instituições privadas estimam uma inflação real pelo menos três vezes superior à anunciada pelo governo, de 9%. 

O apoio político e financeiro do caudilho Hugo Chávez, que parecia ser a grande solução para os problemas de financiamento da Argentina, foi outro tiro que saiu pela culatra. Sempre que precisou de ajuda externa, o governo argentino recorreu a Chávez, que nunca a negou. De 2005 até agora, Chávez comprou US$ 9,2 bilhões em títulos argentinos. A última compra, porém, foi desastrosa para a já combalida credibilidade da Argentina. Chávez adquiriu US$ 1 bilhão em títulos argentinos, mas com uma taxa de remuneração recorde, de 15% ao ano. Não contente, em dois dias revendeu pelo valor de face todos os papéis, que comprara com generoso desconto.

A interpretação do mercado financeiro não poderia ser diferente do que foi. Se o governo Kirchner aceitou pagar tanto, e para um credor capaz de fazer uma jogada financeira como a que Chávez fez com os títulos argentinos, é porque está sem nenhuma outra fonte de financiamento, e pode ter dificuldades para honrar a dívida vencida. Imediatamente, a cotação dos títulos da dívida argentina despencou e os sinais da desconfiança internacional começaram a se espalhar.

Voluntariosa, Cristina Kirchner não reconhece erros nem problemas. "Não me arrependo de nada. Voltaria a fazer tudo igual", disse. Resta saber até quando e a que custo para os argentinos insistirá em manter o rumo de sua política.

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