O Estado de S. Paulo |
28/8/2008 |
Não poderia surgir em hora mais imprópria - e simbólica - a proposta do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves, de inclusão do reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal na pauta de votações da Câmara. O primordial não é o valor ao aumento, mas a motivação do autor: “É uma homenagem à Corte. Temos que tomar essa decisão como uma forma de prestigiar o ministro Gilmar Mendes (presidente do STF), que está nessa cruzada em prol da cidadania”. Quer dizer, o uso constante do cachimbo realmente tem o condão de entortar a boca das criaturas. Mesmo na atual conjuntura de degradação galopante do Poder Legislativo, parece quase profana a oferta de vantagens financeiras à mais alta Corte do País, de forma a criar um espaço de interesse comum entre dois Poderes hoje de condutas tão opostas. Isso no exato momento em que o Judiciário é apontado como usurpador de poderes por assumir a dianteira na resolução de questões deixadas de lado pelo Legislativo, predominantemente voltado para o trato de seus interesses junto ao Executivo. O líder do PMDB na Câmara talvez não tenha se dado conta - o que só aumenta a gravidade da história -, mas não presta “homenagem” alguma ao Supremo sacando do arquivo um projeto de aumento datado de dois anos atrás e posto de lado por absoluta impossibilidade de convencer a opinião pública de que é justo majorar proventos de R$ 24.500 no Judiciário e, com isso, ainda abrir caminho para o Legislativo reivindicar isonomia. Antes insulta seus integrantes ao acreditá-los permeáveis aos mesmos métodos adotados pelo Congresso para dirimir conflitos. Rebeldia, resistência, excesso de autonomia, tudo isso os governos resolvem distribuindo favores às suas bases parlamentares. A proposta do deputado Henrique Eduardo - queira o bom senso seja rechaçada por seus pares e posta em seu devido lugar pelos destinatários da oferenda - traduz o sumo das razões pelas quais hoje se discute o tema do ativismo do Judiciário em contraposição à combinação de anomia e paralisia que assola o Legislativo: a compreensão, ou não, dos papéis. O Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, percebeu perfeitamente a hora de crescer institucional e socialmente. Deixou de ser um tribunal auto-referido e passou a ouvir as demandas de seu tempo e da gente de seu País. Se isso ocorreu em prejuízo do papel do Congresso não foi por vocação à posse fraudulenta de prerrogativas. Aconteceu porque o Legislativo, não obstante reiterados alertas, não soube parar de decair. E continua sem saber, como se vê pela proposta de um toma-lá-dá-cá dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Círculo de vícios A imprensa durante algum tempo vai vigiar, e é até possível que um ou outro político mais notório - ou menos insensível - demita mesmo seus parentes dos cargos ocupados sem concurso. Mas a multidão de anônimos beneficiados pelo Q.I. (quem indica) familiar de sabe-se lá quantos agentes públicos dos três Poderes passarão incólumes à proibição do nepotismo imposta pelo Supremo Tribunal Federal. Basta a vontade dos padrinhos e a parceria do silêncio em cada um dos nichos de nepotismo espalhados no País todo. A proteção do anonimato é apenas uma entre as inúmeras modalidades de burla que, tudo indica, levarão a decisão do STF à companhia de outras letras mortas da legislação brasileira. Uma dessas defuntas está na Constituição e serviu de base à sentença: a obrigatoriedade de obediência aos preceitos da moralidade, impessoalidade e da legalidade na administração pública. Só respeita quem quer. Como o interesse primeiro a ser atendido pelas nomeações é o “de cima”, a corrente atrelada a ele não é quebrada a menos que o elo inicial deflagre o processo de correção. E não é essa a disposição até agora demonstrada no Poder Executivo - onde o estratagema é a promoção dos parentes para cargos fora do alcance da norma - nem no Legislativo, onde a solução foi transferir aos parlamentares a iniciativa de entregar a cabeça da família à guilhotina. Ressalvadas, cumpre repetir, as exceções, a regra geral será a de deixar como está para ver como é que fica. A possibilidade de que fique tudo como está é altíssima, entre outros motivos porque não se assegura a ordem entregando a raposas a guarda dos aviários. Olavo Setúbal Prefeito de São Paulo nos idos dos 70, ele parecia à geração que adolescera na ditadura um arauto da opressão. Trinta anos passados e o concurso da maturidade mostraram no reencontro à outrora jovem repórter a prosaica realidade: era apenas um homem de bem tentando fazer a sua parte, inclusive na reconquista da democracia. Quando a atividade política passou a ser um negócio, voltou aos seus negócios. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, agosto 28, 2008
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