Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 24, 2008

Augusto Nunes-SETE DIAS


"É a maior delegação bra- sileira de todos os tempos", orgulhou-se em Pequim o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. "Isso prova que o Rio está pronto para sediar a Olimpíada de 2016". O que tinha uma coisa a ver com a outra?, berrou a cara de espanto dos jornalistas. "Temos 277 atletas", sorriu Nuzman. "A Espanha, 16 anos depois dos jogos de Barcelona, tem 290. É quase a mesma coisa". Pena que o tamanho de delegação não se inclua entre os critérios que orientam a escolha da cidade-sede. Pena, sobretudo, que comitiva em expansão não seja um esporte olímpico. Se fosse, o Brasil estaria para a modalidade como os Estados Unidos para o basquete, como a Jamaica para os 100 metros rasos. Junto com os atletas, desembarcaram na China 192 não atletas. Foram 469 cabeças. Sem contar o presidente Lula, que não sabe como se escreve taekwendo (o Brasil disputou isso também) e o ministro Orlando Silva, que ignora se a modalidade é disputada na água, na grama ou num trampolim. Os dois endossaram o estranho raciocínio desenvolvido por Nuzman. O Rio merece. E o Brasil só precisa disso para entrar de vez no clube das potências pluriesportivas. Falta pouco, repetem cartolas e governantes desde 1920, quando o país estreou nos Jogos Olímpicos da era moderna e a equipe de tiro trouxe de Antuérpia uma medalha de ouro e uma de bronze. Falta tudo, discorda a interminável procissão de fiascos que os patriotas, os idiotas e os muito espertos fingem não enxergar. Em 88 anos, incluídas as que premiaram os desempenhos soberbos de Maurren Maggi e César Cielo, o país conquistou 19 medalhas de ouro. Cinco a mais que as obtidas pelo nadador Michael Phelps em duas Olimpíadas. O fenômeno das piscinas é um vencedor também por ter nascido nos EUA. Maurren e Cielo triunfaram apesar do país onde nasceram. Eles fazem parte do 1,1% da população economicamente ativa que pratica ou praticou algum esporte. Um americano que nunca tenha corrido numa pista, saltado numa quadra, mergulhado numa piscina ou feito coisa parecida corre o risco de ser apontado nas ruas como um extravagante vocacional. Todos são ou foram, de alguma forma, esportistas. Lá, os campeões nascem no curso primário, crescem no colegial, aprendem na adolescência que vale a pena representar a escola em qualquer competição, aperfeiçoam-se nas equipes da universidade que lhes ofereceram bolsas e, quase sempre, enriquecem como atletas profissionais. No País do Futebol, um jovem que passa a tarde inteira numa piscina em Santa Bárbara D´Oeste, como fazia César Cielo, ou uma garota bonita que gasta o tempo voando baixo numa pista de terra, caso de Maurren, são napoleões de hospício. A rainha do salto em extensão deve a medalha a ele mesma. O rei dos 50 metros não teria chorado ao som do Hino Nacional se não tivesse passado muitos meses em piscinas americanas. "Meu Deus, o que fiz de errado?", perguntava a grande Marta depois da derrota na final do futebol feminino. Nada. Não se pode culpá-la por ter nascido aqui. Só teve a má sorte de chegar ao mundo pela mesma rota de Bárbara. A goleira da seleção entrou em campo depois de saber que perdera o emprego. E conquistou a medalha de prata.
Ainda está
faltando um
A idéia de exumar o texto que decretou a anistia de 1979, para em seguida castigar os torturadores ainda impunes, sugere que o ministro Tarso Genro tem memória boa quando a causa é justa. Por exemplo, a prevalência dos direitos humanos sobre conveniências políticas. Solidária, a coluna espera que Tarso aproveite o embalo e trate de providenciar um desfecho menos ultrajante para o caso dos dois pugilistas presos pela polícia brasileira e devolvidos a Cuba. Um deles conseguiu há meses escapar para a Alemanha. Falta o outro, ministro. É hora de resgatá-lo.

Dois braços do governo trocam socos

Por determinação do presidente Lula, o Incra ampliou com a necessária rapidez, em 2007, o tamanho do território doado ao MST para estimular a agricultura de subsistência, que quase sempre se resume ao plantio de barracas de lona preta. Sem paciência para expropriações litigiosas, o Incra preferiu expandir as fronteiras dos assentamentos já existentes, estivessem onde estivessem. Até na Amazônia. Por determinação do presidente Lula, o Ibama tratou de enfrentar, com vigor e independência, os campeões do desmatamento criminoso. O Ibama levou a sério a recomendação, e o Brasil ficou sabendo que, graças à ofensiva empreendida em 2007, o Incra lidera o ranking dos 25 mais ferozes inimigos da Floresta Amazônica. Só em Mato Grosso, a sigla incorporou aos assentamentos do MST 151 mil hectares devidamente devastados. Pelo conjunto da obra, o Incra foi alvejado por multas que somam R$ 176 milhões. Advogados do governo a serviço do Ibama exigem o fim do calote desmentido por advogados do governo a serviço do Incra. Lula faz de conta que não é com ele. Se assumisse o papel de mediador, poderia ouvir que todos fizeram o que o chefe mandara fazer. A conta vai acabar espetada no bolso dos contribuintes. É sempre assim. Assim é o Brasil.




Dois reais fazem toda a diferença

 Para repovoar as dependências da Associação dos Brasileiros da Classe Média, progressivamente esvaziada pelo sumiço dos antigos sócios, a Fundação Getúlio Vargas reduziu o preço do ingresso para R$ 1.064 por mês. Demarcada a fronteira que separa a pobreza da pequena-burguesia, a FGV decidiu revogar os demais critérios habitualmente utilizados para conceder-se a um candidato, ou não, a carteirinha de integrante do clube. Número de dependentes, bom nome na praça, condições de vida ­ isso tudo virou perfumaria, o que vale é a renda familiar. Foi com essa jogada que a FGV levou a medalha de ouro na prova de levantamento de pobre. Merecidamente, atesta o caso de dois porteiros de prédio no Rio, amigos de infância hoje com 40 anos. Um ganha R$ 1.063. O outro, R$ 1.065. O primeiro mora sozinho na casa própria numa rua asfaltada de um bairro próximo do local de trabalho. Como ficou a R$ 1 da fronteira, é pobre. O segundo divide com a mulher e cinco filhos o barraco alugado numa rua de terra na favela distante da portaria do prédio. Vive bem pior que o outro, mas foi promovido a pequeno-burguês por R$ 1. Se vivessem no século passado, onde empacaram os cérebros da FGV, os amigos de infância virariam inimigos de classe. Por R$ 2.

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