O mundo inteiro sabe que o Partido Democrata fez história ao se tornar a primeira grande agremiação política dos Estados Unidos a escolher um negro como candidato à presidência do país. Mas disso praticamente não se falou nos quatro dias da convenção nacional que referendou por aclamação o nome do senador Barack Hussein Obama. E ele nem sequer mencionou o ineditismo de sua candidatura no discurso de 45 minutos para uma platéia compacta de 80 mil pessoas em um estádio de Denver, Colorado, com que encerrou, em clima de apoteose, o espetáculo histórico da aceitação da sua candidatura. Do começo ao fim dessa convenção, os democratas usaram a tática do subentendido.
Programaram a convenção para que o seu ponto culminante coincidisse com os 45 anos da legendária manifestação pelos direitos civis na qual Martin Luther King descreveu o seu sonho de igualdade racial para 200 mil pessoas reunidas no centro de Washington. Obama, naturalmente, evocou na sua oração o I have a dream de Luther King. Não aludiu, porém, ao que o motivou. Como vem fazendo desde quando, no que parecia uma aspiração irreal, passou a disputar a indicação democrata à sucessão do presidente Bush, preferiu transmitir aos americanos uma mensagem de unidade - juntos, disse, "nossos sonhos podem ser um".
A estratégia do partido e do candidato de isolar a questão racial da campanha eleitoral se conjuga com a deliberação de inculcar na América branca a idéia de que será apenas normal a Casa Branca vir a acolher os Obamas - uma família típica americana, como a apresentou no palco da convenção democrata a mulher do candidato, Michelle, ao lado das filhas Malia e Sasha. Uma coisa e outra demonstram a preocupação com a influência raramente explícita do preconceito nas decisões de voto, se não da maioria dos eleitores brancos, de uma minoria capaz de fazer a diferença nos Estados em que, por isso mesmo, Obama foi amplamente batido nas prévias por Hillary Clinton.
Ninguém ignora que parcela talvez preponderante da população branca, pobre, ou de classe média empobrecida, e de meia idade para cima, sobretudo nas áreas mais conservadoras do país, precisará de muita persuasão para preferir um negro de nome "esquisito", como certa vez brincou Michelle, a um branco, herói condecorado, filho de um almirante, como o republicano John McCain. E isso ainda que os democratas insistam que ele será a continuidade do governo que 80% dos americanos rejeitam pelo retrocesso social e a guerra pantanosa em que atolou o país. A cor, isoladamente, decerto não explica por que, apesar de toda a Obamania, Obama não decolou nas pesquisas. Mas é um dado da realidade - e um tabu.
A sua importância, embora relativa, emerge dos resultados de uma recente sondagem. Só 30% dos brancos dizem ter opinião favorável de Obama (ante 80% dos negros). Também só 30% dos brancos (e metade dos negros) acreditam que as relações raciais melhorarão se ele vencer. Por fim, enquanto bate McCain entre os eleitores negros por 89% a 2%, entre os brancos o republicano o supera por 46% a 37%. (Os negros são 12% da população.) Outro obstáculo para Obama é ser visto pela América profunda como "diferente" - um negro elitista que não descende de escravos, como a maioria, e viveu em lugares remotos, como o Havaí, onde nasceu, e na muçulmana Indonésia. Em suma, um candidato com um problema de identidade: não é "gente como a gente".
Dias atrás, o New York Times cobrou-lhe que respondesse "por que, nestes tempos difíceis, os americanos deveriam confiar-lhe o seu futuro". Foi o que ele começou a fazer no empolgante discurso de sagração, intitulado Promessa americana. Não apenas expôs as suas metas e prioridades diante das questões essenciais do povo e do país, como investiu contra McCain, a quem citou pelo nome nada menos de 21 vezes, ressalvando a sua pessoa, mas mostrando que seu governo seria a continuação dos oito anos de Bush. "Basta", clamou sobre os oito anos das "falidas políticas" de Bush. Se, para a maioria, questões decisivas como as origens, a personalidade e o preparo do candidato, somadas ao preconceito racial, prevalecerem sobre os seus admiráveis propósitos, talvez estes não lhe bastem para o outro feito histórico a que aspira: ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Programaram a convenção para que o seu ponto culminante coincidisse com os 45 anos da legendária manifestação pelos direitos civis na qual Martin Luther King descreveu o seu sonho de igualdade racial para 200 mil pessoas reunidas no centro de Washington. Obama, naturalmente, evocou na sua oração o I have a dream de Luther King. Não aludiu, porém, ao que o motivou. Como vem fazendo desde quando, no que parecia uma aspiração irreal, passou a disputar a indicação democrata à sucessão do presidente Bush, preferiu transmitir aos americanos uma mensagem de unidade - juntos, disse, "nossos sonhos podem ser um".
A estratégia do partido e do candidato de isolar a questão racial da campanha eleitoral se conjuga com a deliberação de inculcar na América branca a idéia de que será apenas normal a Casa Branca vir a acolher os Obamas - uma família típica americana, como a apresentou no palco da convenção democrata a mulher do candidato, Michelle, ao lado das filhas Malia e Sasha. Uma coisa e outra demonstram a preocupação com a influência raramente explícita do preconceito nas decisões de voto, se não da maioria dos eleitores brancos, de uma minoria capaz de fazer a diferença nos Estados em que, por isso mesmo, Obama foi amplamente batido nas prévias por Hillary Clinton.
Ninguém ignora que parcela talvez preponderante da população branca, pobre, ou de classe média empobrecida, e de meia idade para cima, sobretudo nas áreas mais conservadoras do país, precisará de muita persuasão para preferir um negro de nome "esquisito", como certa vez brincou Michelle, a um branco, herói condecorado, filho de um almirante, como o republicano John McCain. E isso ainda que os democratas insistam que ele será a continuidade do governo que 80% dos americanos rejeitam pelo retrocesso social e a guerra pantanosa em que atolou o país. A cor, isoladamente, decerto não explica por que, apesar de toda a Obamania, Obama não decolou nas pesquisas. Mas é um dado da realidade - e um tabu.
A sua importância, embora relativa, emerge dos resultados de uma recente sondagem. Só 30% dos brancos dizem ter opinião favorável de Obama (ante 80% dos negros). Também só 30% dos brancos (e metade dos negros) acreditam que as relações raciais melhorarão se ele vencer. Por fim, enquanto bate McCain entre os eleitores negros por 89% a 2%, entre os brancos o republicano o supera por 46% a 37%. (Os negros são 12% da população.) Outro obstáculo para Obama é ser visto pela América profunda como "diferente" - um negro elitista que não descende de escravos, como a maioria, e viveu em lugares remotos, como o Havaí, onde nasceu, e na muçulmana Indonésia. Em suma, um candidato com um problema de identidade: não é "gente como a gente".
Dias atrás, o New York Times cobrou-lhe que respondesse "por que, nestes tempos difíceis, os americanos deveriam confiar-lhe o seu futuro". Foi o que ele começou a fazer no empolgante discurso de sagração, intitulado Promessa americana. Não apenas expôs as suas metas e prioridades diante das questões essenciais do povo e do país, como investiu contra McCain, a quem citou pelo nome nada menos de 21 vezes, ressalvando a sua pessoa, mas mostrando que seu governo seria a continuação dos oito anos de Bush. "Basta", clamou sobre os oito anos das "falidas políticas" de Bush. Se, para a maioria, questões decisivas como as origens, a personalidade e o preparo do candidato, somadas ao preconceito racial, prevalecerem sobre os seus admiráveis propósitos, talvez estes não lhe bastem para o outro feito histórico a que aspira: ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.