O Globo |
28/8/2008 |
Ter colocado em segundo plano o combate ao terrorismo e priorizado a retirada das tropas do Iraque, conforme um esboço de programa de governo divulgado aqui em Denver, pode trazer mais problemas do que soluções para o candidato democrata Barack Obama, que continua sob intensa desconfiança do eleitorado. Embora, também, ter colocado questões econômicas no topo de suas preocupações possa render bons frutos. Nesses momentos decisivos, a escolha das prioridades é fundamental. Ao contrário do que esperava, por exemplo, ter convidado um senador especialista em política externa para seu companheiro de chapa provocou uma queda na primeira pesquisa de opinião após o anúncio, realizada pelo Gallup. Não agradou nem a gregos nem a troianos. Foi entendido por uns como admissão de que não tem experiência suficiente para os grandes temas internacionais, e por outros como uma submissão à política de Washington, pois o senador Joe Biden preside a poderosa comissão de relações exteriores do Senado, onde tem assento há nada menos que 36 anos. O adversário republicano, John McCain, aproveitou a convenção democrata não apenas para divulgar anúncios com declarações da senadora Hillary Clinton contra Obama, mas também para continuar desconstruindo a imagem dele como líder. A última safra classifica o candidato democrata como "perigosamente inexperiente" num mundo em que crescem os desafios aos Estados Unidos. A crise na Geórgia continua sendo muito explorada por McCain, mas Obama também está tomando posições mais fortes contra a Rússia, especialmente depois que o senador Joe Biden assumiu o comando dessas questões na campanha. Biden terá outra função importante, a de desanuviar o clima tenso entre os assessores dos Clinton e os de Obama. Biden é amigo dos Clinton e era tido no início da campanha, quando desistiu de sua candidatura, como um apoiador de Hillary, de quem poderia ser até mesmo um ministro importante. Na noite de terça-feira, o ex-presidente Bill Clinton e Hillary tiveram uma conversa reservada com Joe Biden depois da convenção. Distorcendo um comentário de Obama sobre a natureza do risco que o Irã representa para os Estados Unidos, McCain alerta que o candidato democrata não sabe o que diz quando afirma que o país não significa uma ameaça séria, e o critica por se mostrar disposto a sentar à mesa e conversar com Mahmoud Ahmadinejad ou Chávez, da Venezuela. A campanha do democrata teve que se explicar através de nota, onde o verdadeiro sentido da frase de Obama fica claro. Ele diz que grandes presidentes conversam com seus adversários, e cita encontros de Kennedy com Kruschev; Reagan com Gorbachev e Nixon e Mao. E sublinha que, comparados com a antiga União Soviética, nem Irã, nem Venezuela e nem a Rússia de Putin representam um grande perigo. Uma pesquisa da CNN divulgada ontem indica que a maioria considera McCain mais preparado do que Obama para lidar com questões como terrorismo e Iraque, e também que o candidato republicano é um líder mais forte para enfrentar uma crise internacional, numa proporção de 58% para Obama e 78% para McCain. Já na questão econômica, que dominou o segundo dia da convenção e teve seu marco no firme discurso da senadora Hillary Clinton, a vantagem é de Obama, e os pontos centrais devem ser energia e impostos, justamente os principais assuntos que estão sendo debatidos aqui pelos democratas. Na energia, por exemplo, há uma ênfase muito grande quanto à necessidade de programas de combustíveis alternativos "made in USA", o que coloca em risco o etanol brasileiro, inclusive porque no programa dos democratas há uma citação passageira, mas sintomática, de que uma futura gestão do partido se preocupará com a possibilidade de uso da Amazônia para cultivo de fontes de energia alternativa, como biocombustíveis. Depois que assumiu a dianteira na defesa de novas prospecções de petróleo como solução para a alta do barril, McCain reduziu pela metade a diferença, que ainda favorece a Obama na questão energética. Mas a vantagem de Obama nesses assuntos já foi maior, especialmente com relação aos impostos. A campanha democrata faz uma carga muito pesada sobre a política de corte de impostos para os mais ricos adotada pela gestão Bush, que seria continuada em eventual governo McCain, enquanto este acusa Obama de demagogia. No discurso de terça à noite, em que ajudou a começar a dissolver o mal-estar que há entre seus eleitores e a candidatura de Obama, a senadora Hillary Clinton deixou subentendida uma cobrança: disse que não vê a hora de assistir à cerimônia na Casa Branca de assinatura do programa que amplia a todos os cidadãos os serviços de saúde pública, base de sua campanha, um compromisso que fez Obama assumir, mas que muita gente acredita que ele não cumprirá, pelo menos na extensão sonhada por Hillary. Nessa pesquisa da CNN, somente em questões de política externa Obama perde para McCain. Mantém uma larga vantagem sobre o adversário republicano na questão de saúde, e é visto pela maioria como o que mais se preocupa com as pessoas, o que traz mudanças e é capaz de unir o país. E será na base desse apelo emocional, mais do que em qualquer tipo de programa de governo, que o candidato democrata tentará, com o discurso de hoje à noite no Invelco Field, um estádio com capacidade para 75 mil pessoas que já tem mais de 80 mil credenciados e outros 30 mil na lista de espera, que Barack Obama se lançará para a etapa decisiva da campanha presidencial. |
Entrevista:O Estado inteligente
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