VOLTA AO MUNDO EM CORES
2008 é um ano de ouro para a pintora Beatriz Milhazes:
um de seus quadros foi leiloado por 1 milhão de dólares
e ela ganha uma mostra em São Paulo a partir desta
semana. Depois, vai a Nova York, Londres, Tóquio...
Marcelo Marthe
Oscar Cabral |
O LADO DOCE DA ARTE |
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No ateliê da carioca Beatriz Milhazes consomem-se balas e chocolates em grandes quantidades. Só que os doces em si são descartados. O objeto de desejo da artista plástica são mesmo as embalagens: graças às cores chamativas, elas se converteram em matéria-prima de suas colagens. "Não há nada mais sedutor que um papel de bala", afirma Beatriz. O mercado de arte parece concordar. Suas telas abstratas de tons vibrantes despertam o apetite de colecionadores pelo mundo afora. Em maio, uma obra de 2001 intitulada O Mágico alcançou preço superior a 1 milhão de dólares num leilão da Sotheby’s em Nova York – recorde para um artista brasileiro vivo. Não é exagero dizer que se vive um momento Beatriz Milhazes. No sábado 6, a Estação Pinacoteca, em São Paulo, inaugura uma retrospectiva de sua obra. São 25 pinturas e cinco colagens produzidas entre 1989 e o ano passado, além de um conjunto de vitrais. Semanas mais tarde, Beatriz exibirá sua nova safra de telas numa galeria nova-iorquina. Em seguida, passará por Londres para lançar um livro. Vai ainda ao Japão – ela acaba de conceber um vitral para a fachada do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio. De lá, voará para a cidade americana de Nova Orleans, para uma bienal. "Vou dar a volta ao mundo", resume.
As conquistas de Beatriz, de 48 anos, têm sua ponta de ironia. Quando despontou, nos anos 80, ela era o patinho feio numa geração que conheceu o sucesso cedo. Era tida como menos promissora do que colegas como Leda Catunda ou Luiz Zerbini. Com o estouro da "bolha" que sustentava o mercado brasileiro de arte naquela fase, as cotações de seus pares foram pelo ralo. Beatriz, que não conseguia vender nada mesmo, não se abalou. "Nunca acreditei no mito da ‘Geração 80’", diz. Sua virada só se deu na década seguinte, quando apostou na carreira internacional. Com um empurrão de seu marchand no Brasil, Marcantônio Vilaça (morto em 2000), enfronhou-se no circuito de galerias e feiras de arte dos Estados Unidos e da Europa. Hoje, seu currículo inclui a decoração do restaurante da galeria Tate Modern, em Londres, e de uma estação de metrô da capital inglesa. No Brasil, Beatriz teve um instante de fama em 1995, quando um de seus quadros decorou o gabinete do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Mas a corrida de fato à sua obra é um fenômeno mais recente, de quatro anos para cá", diz o marchand Jones Bergamin.
ARTE DE EXPORTAÇÃO Restaurante da Tate Modern, em Londres, decorado por Beatriz: a cotação da artista explodiu no exterior |
Os trabalhos do começo de carreira são menos valorizados que a produção recente da artista. A razão é que Beatriz teve de percorrer um bom caminho até depurar seu estilo. Ela chegou lá graças a uma técnica que denomina de "decalque": os elementos da obra são pintados em folhas de plástico e depois aplicados sobre a tela. Mais tarde, passou a apostar também nas colagens produzidas com as tais embalagens de doces, sacolas de lojas e miçangas carnavalescas. É inegável que a obra de Beatriz tem sua consistência. Ela inventou um jeito próprio de fazer pintura abstrata, ao fundir cores e formas de uma maneira que se aproxima da tapeçaria. Formada em jornalismo e filha de uma historiadora de arte, a artista se exprime com desenvoltura sobre suas influências. Aponta o francês Henri Matisse (1869-1954) como uma das mais importantes. "Comungo com ele a crença de que não se pode separar a arte da vida", teoriza. Até o fim da carreira, contudo, Matisse manteve acesa a índole transgressora de seus princípios modernistas – o que fez com que o crítico francês Georges Duthuit identificasse nos trabalhos de sua última fase, também feitos de recortes e colagens, uma "intensidade quase insuportável – a sensação de gelo ardente". A obra de Beatriz acena com o contrário disso: uma certa facilidade emocional. As cores vivas e as figuras familiares de flores e frutas dão a seus quadros um aspecto leve e alegre. "Eles têm o apelo fácil da arte decorativa", diz o crítico Paulo Venancio Filho. Nisso, há um ponto de contato entre suas telas e a arte pueril de um Romero Britto.
Beatriz (que está descasada desde os anos 90) tem fama de ser discreta e centrada no trabalho. Dá expediente seis horas por dia em seu ateliê, numa área valorizada do Rio de Janeiro. Ainda assim, produz não mais que dez telas por ano – tática que só aumenta o desejo dos colecionadores de adquirir seus trabalhos. A artista, que em 1996 deixou de lecionar para se dedicar só a suas telas, jura que não está rica. Lembra que não ganhou um tostão com o lance milionário do leilão em Nova York, pois, quando vendeu O Mágico em 2001 à galeria espanhola que o levou a martelo agora, embolsou menos de 15 000 dólares. Mas o fato é que sua conta bancária vai bem, obrigado: estima-se que fature em torno de 1 milhão de dólares por ano.