Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 25, 2008

Processo eleitoral perverso Sandra Cavalcanti

Voto obrigatório, promessas facultativas... Tão bom se fosse o contrário! O voto poderia ser facultativo e as promessas deveriam ser obrigatórias. Mas, não! Ainda não é desta vez. Em outubro vamos votar mais uma vez compelidos por obrigação legal, cheios de desencanto e desesperança. Vamos escolher um nome para a prefeitura e outro para a Câmara Municipal.

As urnas são eletrônicas, modernas, eficientes e nos livraram de antigos vícios eleitorais, é verdade. Aquele negócio de curral eleitoral, em que o caboclo recebia um envelope fechado e ia votar sob a guarda do capataz, acabou - se bem que eu desconfie, seriamente, que existam hoje outras formas de constranger os votantes, principalmente os que sobrevivem em favelas, liderados pelos tais milicianos comunitários... De qualquer modo, até nessas comunidades oprimidas o eleitor, de modo geral, sente confiança no desempenho tecnológico daquele moderno engenho da informática. Com essas urnas eletrônicas, aquela malandragem terrível das mesas apuradoras foi para o espaço... O voto dado não é desviado. Até aí, tudo bem.

Mas depois começa a malandragem da própria Lei Eleitoral! O programa implantado segue fielmente os termos da lei. Faz, em primeiro lugar, a contagem dos votos dados às legendas partidárias. É o famoso e ultrajante voto proporcional! Esse sistema, que nenhuma democracia verdadeira utiliza no mundo de hoje, continua aqui desde que foi adotado por Vargas, para prejuízo nosso.

Encerrada a votação, e já "sabendo" quantos eleitores compareceram, o computador calcula o chamado quociente eleitoral. Isso significa o seguinte: cada vez que uma legenda consegue chegar ao quociente, ganha uma cadeira na Câmara. Depois, o mesmo programa no computador informa, dentro de cada legenda, por ordem de chegada, os nomes dos que vão ocupar as cadeiras que a legenda conseguiu. A alta tecnologia a que o mundo chegou em nossos dias permite que os resultados sejam conhecidos em poucas horas. Os resultados são proclamados e, nesse momento, o eleitor verifica por que nós dizemos sempre que o voto proporcional é uma fraude. Seu voto, dado ao seu candidato, serviu para eleger outro, que você nem conhece!

Mas o pior ainda está por vir: o prefeito vencedor, por sua vez, traz com ele um vice, em quem você não votou. Nem você nem ninguém... O vice foi escolhido por ele, sem a menor participação do eleitorado. Pois esse vice pode, a qualquer momento, chegar ao cargo. Basta que o eleito morra ou fique inválido, ou, como é de hábito, no meio do mandato saia para disputar outro cargo: senador, governador, deputado federal ou estadual. Assim, sem ter recebido um só voto, o vice ocupa seu lugar.

Podem até ser excelentes figuras humanas, competentes e capazes. Mas o que estou analisando, nestes casos, é o sistema eleitoral. O nosso incrível e antidemocrático sistema eleitoral!

Com relação às promessas eleitorais, eleitoreiras muitas vezes, o quadro ainda é pior. Basta ouvir ou ler o que os candidatos oferecem. Santo Deus! É raro chegar alguém falando a verdade. Dizendo, por exemplo, que, como vereador, não vai ter poderes para legislar para o Estado ou para o País. Garantindo que sua principal função é vigiar a correta aplicação dos tributos recolhidos no município ou recebidos como repasses constitucionais, conforme o orçamento votado anteriormente. Prometendo que se vai esforçar para que, ao elaborar durante o seu mandato os quatro próximos orçamentos, levará a sério o respeito pelas necessidades reais dos que pagam os impostos.

Tem de mostrar que as promessas também são obrigatórias. Não são facultativas...

Pois é exatamente neste ponto que se situa a grande fragilidade e a imensa ineficiência dos nossos serviços públicos. É que o orçamento, ou melhor, todos os orçamentos deste país, tanto o federal quanto os estaduais e os municipais, todos eles são apenas autorizativos! Com isso, na verdade, não são para valer. São quase facultativos... Por isso é que os Poderes Executivos, em nosso país, só cumprem os orçamentos quando querem. Nessa hora eles usam a conhecida conversinha de empenho, liberação, etc... E os Tribunais de Contas, que deveriam ser muito mais independentes para vigiar a execução orçamentária, não dispõem de força para isso. Em todos os escalões ocorre o mesmo, é bom registrar.

Sei que o eleitor pode ficar muito desanimado com esta análise. E achar, então, que é melhor ficar em casa e nem sair para votar. Não acho, não. Votar, mesmo com o voto obrigatório, é muito importante. Mas acho que devemos prestar mais atenção a alguns fatos. Por exemplo: quando escolher o seu candidato, procure saber quem são os demais integrantes daquela legenda. Lembre-se: você pode estar inadvertidamente elegendo um pilantra, um delinqüente, um mafioso.

No caso da prefeitura, procure saber direitinho quem é o escolhido para vice. É muito importante. Às vezes ele só está ali porque está "pagando" a campanha do titular... Não serve! Procure saber quais os candidatos com ligações com ONGs esquisitas. Com sindicatos. Com movimentos ilegais. Com organizações criminosas, clandestinas. Basta que apenas um, um só, na chapa do seu candidato pertença ao mundo do crime e você estará ajudando e apoiando essa gente.

Reconheço que não é tarefa muito fácil. O sistema não ajuda. O processo eleitoral é uma peneira furada. É perverso. Mas se, na hora de votar, nós levarmos em conta todos estes avisos e agirmos com espírito público, quem sabe os eleitos, mais adiante, se sintam com coragem para lutar pelo aperfeiçoamento de nosso processo político? Voto facultativo, voto distrital, escala metropolitana de governo, orçamentos impositivos, Tribunais de Contas mais exigentes e, quem sabe, até mesmo o parlamentarismo?

Vale lutar. Vale tentar.

Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco. E-mail: sandra_c@ig.com.br

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