PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
8/8/2008 |
O vice-presidente, José Alencar, está tirando da sua experiência de 11 anos de convivência com o câncer uma proposta de política pública. Ele acha que o SUS deve ter, em cada capital, pelo menos, um aparelho chamado PET, que permite detectar qualquer tipo de câncer no paciente. Alencar repete que não tem medo da morte. "A morte é natural, como a vida", disse-me ontem. O que o deixa nervoso não é falar do câncer - que já tirou dele um rim, parte do estômago e o obrigou a fazer cirurgias, sessões de quimioterapia e de radiofreqüência - mas, sim, falar dos juros. Quando pedi a entrevista, avisei que já sabia a opinião dele sobre juros, e que trataria de outros temas. Mas ele gosta de falar de juros. - A política monetária tem nos trazido uma enorme dificuldade, não apenas por aumentar o gasto público desnecessariamente, como também tem trazido uma dificuldade muito grande aos empresários; pelo custo financeiro e pelo câmbio, que é um desastre, porque prejudica os exportadores e facilita a entrada de produtos estrangeiros - disse, numa entrevista que me concedeu ontem na sala do presidente da República, que ele está ocupando esta semana. Os juros são, para ele, o centro de todos os problemas do país; não lhes credita sequer o controle da inflação. - O que segura a inflação é uma política fiscal austera. Nós aqui fazemos todo tipo de economia, mas isso não vale nada porque a maior conta que pagamos é a dos juros altos - frisa. José Alencar sustenta que a agricultura brasileira enfrenta a competição externa sem ter qualquer subsídio. - Veja o algodão, por exemplo: os Estados Unidos praticam subsídios fortíssimos e os produtores brasileiros, sem subsídios, conseguiram produzir um algodão de excepcional qualidade em Mato Grosso e na Bahia. O subsídio americano ao algodão até a OMC condena, mas os produtores brasileiros têm tido vários perdões de dívida. Perguntei se isso não é uma forma de subsídio. Para ele, essas sucessivas renegociações são também fruto dos juros "incompatíveis com uma atividade de alto risco como a agricultura". José Alencar é um empresário que começou do nada e fez uma fortuna bilionária. Foi emancipado pelo pai aos 18 anos para iniciar seu primeiro negócio, em Caratinga: uma loja de tecidos chamada "A Queimadeira". Usou como capital inicial um empréstimo do irmão, sobre o qual pagou juros de 1,5% ao mês. O irmão Geraldo dizia que não eram juros, era apenas a cobrança do aluguel do dinheiro. A loja se expandiu e, mais tarde, o grupo entrou na área industrial usufruindo o subsídio - que ele chama de ajuda - da Sudene na primeira fábrica. Ele conta que já se afastou dos negócios; fez a partilha em vida. Na sua visão, o Brasil tem que "ocupar a Amazônia". Não explica como isso seria compatível com a preservação, mas diz que é para ocupar com núcleos habitacionais, com produção e preservação. Acha que o Bolsa Família é um programa indispensável, e o qual prova que o Brasil é um país de subconsumo, que poderia estar consumindo mais se houvesse melhoria da renda. - É por isso que os juros altos não funcionam contra a inflação. Acredita que, no país, não há racismo; prefere que nesse assunto nem seja tocado: - Isso nem deve ser falado no Brasil. É contra a punição de militares que torturaram: - Não se deve desenterrar os defuntos; deixem eles em paz. O problema é que os desaparecidos sequer foram enterrados por suas famílias. No entanto o vice-presidente e ex-ministro da Defesa nega que haja qualquer informação sobre isso nas mãos dos militares. José Alencar não se incomoda por suas críticas aos juros altos não terem repercussão no governo. - Ninguém vota em vice, se eu estou aqui, é pelo presidente Lula, de quem sou grande admirador. E ele, sabiamente, não vê no meu pescoço uma placa de economista, portanto não acha que deva me ouvir sobre isso. Ele nega que tenha havido elevação da carga, mas admite que o país precisa de uma reforma tributária: - O cipoal de impostos diretos e indiretos cria oportunidades para que haja o aumento da informalidade. O vice-presidente iniciou nova sessão de quimioterapia para tratar o "sarcoma de tecido mole" que tem no abdômen; um câncer diferente, que volta sempre e que atinge os músculos, as gorduras. Conta que tem sobrevivido 11 anos, pois, por pura sorte, fez um diagnóstico precoce. Um sobrinho médico se espantou com o fato de ele nunca ter feito um check-up e o levou para o seu primeiro. Esse detectou o câncer nos rins. - O câncer detectado precocemente é altamente curável, por isso pedi ao ministro da Saúde para que o SUS ofereça esse exame do PET. Acho que todo brasileiro deve fazer após os 40 ou 50 anos um exame periódico. Ele admite que a família se emociona, se preocupa, mas repete que não tem medo da morte. - Nunca tirei uma licença, continuei trabalhando. Em cada cirurgia, só me afastei quatro dias do trabalho. Acho que quem tem o que fazer está motivado e a motivação tem que estar presente até como instrumento de cura. Fora isso, o vice-presidente credita suas vitórias sobre o câncer a Deus. "A fé em Deus transmite uma força, que não há por que se ter medo da morte. A morte é natural, como a vida." |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, agosto 08, 2008
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