Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 08, 2008

Luiz Garcia - A MP do nome novo




O Globo
8/8/2008

Muitos e variados podem ser os sinais de que a sensatez está perdendo espaço para a irresponsabilidade nas coisas públicas. Um dos sintomas mais assustadores é o desrespeito pelo significado das palavras.

É preocupante quando o próprio Estado perde respeito pela linguagem. Há mais de 60 anos, George Orwell, o profeta de "1984", avisava: "A falta de apuro na linguagem contribui para que tenhamos idéias tolas... Nada tem de frívola a guerra ao mau uso da língua."

Com esse padrinho, não parece irrelevante pôr em discussão o significado das medidas provisórias, inventadas pela Constituição de 89. Elas nasceram como uma compensação dada ao Executivo pela perda do velho decreto-lei que dispensava o aval do Legislativo.

As MPs são prerrogativa do governo. E chamá-las de provisórias é brincar com o vocabulário. O apelido vem do fato de que nascem com vigência garantida apenas por 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Nesse período, o Congresso tem de aprová-las para se transformarem em leis de verdade. E é o que acontece na grande maioria dos casos. Para senadores e deputados do contra sequer funciona a estratégia do corpo mole: elas trancam a pauta.

Como uma espécie de compensação para o trancamento, existem as premissas de urgência e relevância. Infelizmente, são duas exigências subjetivas. Na prática, urgente e relevante é aquilo que o governo decide assim ser.

Esta semana, por exemplo, o Congresso aprovou uma MP que dá aumento salarial para servidores federais, a um custo de R$7,6 bilhões só este ano. E está para votar uma outra, que renegocia dívidas agrícolas de R$70 bilhões.

É relevância que não acaba mais - e urgência meio discutível. Nada disso era previsível? Surgiu de repente, no susto, a necessidade desse aumento e dessa renegociação?

Um outro exemplo é quase cômico: também está no Congresso a MP que transforma a Secretaria da Pesca em ministério. Que urgência e que importância crucial pode ter esse rebatismo? Porque opta por ele o mesmo governo que criou o órgão há poucos anos - quando estava firmemente convencido de que a pesca tinha importância apenas de secretaria e olhe lá?

Vai-se ver, criaram a pasta sem noção precisa da relevância dos temas piscatórios para a vida nacional. E só agora pescaram (perdão!) a verdade. Também pode ser que haja um novo titular no gatilho, com poder de barganha para ganhar o título de ministro.

Como se isso fizesse alguma diferença.

Arquivo do blog