O Globo |
5/8/2008 |
A dependência dos Estados Unidos do petróleo está mexendo com o bolso e a cabeça do americano médio e tendo reflexos imediatos no resultado das pesquisas eleitorais. Depois de ver sua vantagem diante do republicano McCain sair de quase 15 pontos percentuais em junho para um empate neste início de agosto, com a tendência se invertendo ligeiramente a favor de seu adversário, o democrata Barack Obama partiu para o ataque em duas frentes: usando a mesma tática da propaganda agressiva na televisão, acusou McCain de estar "no bolso" das grandes companhias petrolíferas e, ao mesmo tempo, apresentou um plano de energia de longo prazo, recheado de medidas demagógicas imediatas. A proposta de McCain de liberar a exploração de petróleo na costa do país e no Alasca, proibida devido aos danos ao meio ambiente, não tem, segundo os técnicos, nenhuma chance de reduzir o preço do barril do petróleo a curto prazo, mas caiu no gosto do eleitor americano, o que fez Obama abandonar a oposição ao projeto. Mas ele foi além na venda de esperanças para o cidadão comum, que está tendo que deixar de usar seu automóvel devido ao preço da gasolina, e sugeriu que o governo utilizasse as reservas estratégicas de petróleo para aliviar o consumidor nas bombas. Nos primeiros cinco meses do ano, o número de quilômetros percorridos pelos motoristas norte-americanos atingiu o seu nível mais baixo desde 2003. Os americanos reduziram o número de milhas dirigidas em 9,6 bilhões na comparação de maio de 2008 contra maio de 2007. Na comparação dos primeiros quatro meses de 2008 com o mesmo período do ano passado, a redução já é de 40 bilhões de milhas, em torno de 65 bilhões de quilômetros. A proposta de usar 10% das reservas estratégicas de petróleo do país, atualmente um pouco acima de 700 milhões de barris, para aliviar o que chamou de "sofrimento" dos americanos, representa mais uma mudança na posição do democrata, que recentemente havia dito que não considerava possível usá-las "desta maneira". A proposta de Obama seria politizar o uso dessas reservas, o que já foi feito anteriormente em algumas ocasiões e é criticado pelos especialistas. As reservas estratégicas de petróleo dos Estados Unidos, as maiores do mundo, começaram a ser montadas a partir de 1970, no embargo do produto dos países árabes, e estão mantidas em reservatórios no subsolo ao longo da costa do Texas e da Louisiana. O presidente Bush recebeu recentemente autorização para chegar a um bilhão de barris. As reservas têm funções estratégicas econômicas e políticas para países que, como os Estados Unidos, importam cerca de 70% do petróleo que consomem. Permitem aos governos abastecer o mercado no caso de uma interrupção inesperada de suprimento, como também reduzem a dependência de fornecedores que estejam dispostos a usar o petróleo como arma política, como pode ser o caso da Venezuela, responsável pelo fornecimento de cerca de 20% do produto consumido nos Estados Unidos. Os especialistas alegam que o preço de petróleo no mundo hoje, no entanto, se orienta pelo mercado privado de commodities e não é mais controlado por países exportadores e um pequeno número de empresas petrolíferas, como em épocas passadas. Portanto, usar os estoques estratégicos para tentar reduzir o preço interno da gasolina seria uma medida praticamente inócua. O certo seria usá-los estrategicamente no mercado internacional, de preferência em combinação com outros países importadores, a fim de influenciar no preço internacional do barril. Outra demagogia anunciada por Obama é o aumento de taxação das grandes empresas petrolíferas para poder dar um desconto de US$1 mil para cada família com dificuldade de enfrentar os custos da energia. Mas o programa de energia do democrata tem pontos importantes de longo prazo, como estimular a produção de carros mais eficientes no consumo de energia. Ele coloca, porém, sua prioridade nos automóveis híbridos com baterias recarregáveis. Nem ele nem McCain dão destaque a programas de combustíveis renováveis, especialmente de etanol, cuja importação continua sendo taxada pelo governo americano. Brasil e Estados Unidos detêm cerca de 70% da produção mundial de álcool. Tanto os Estados Unidos quanto a França, o quinto maior produtor mundial de etanol, fazem seu combustível com outros produtos que não a cana-de-açúcar - os EUA do trigo e milho e a França, da beterraba -, e ambos têm que dar fortes subsídios para tornar economicamente viável o produto. Na recentemente fracassada Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio, a União Européia chegou a oferecer uma redução na taxação para permitir uma cota maior de exportação do etanol brasileiro, mas os Estados Unidos não chegaram a fazer uma proposta. A sugestão européia era de um corte de tarifas na importação anual do equivalente a 1,4 milhão de toneladas de etanol até 2020, o que geraria uma receita anual de US$1 bilhão, de acordo com autoridades da UE. Embora John McCain já tenha criticado os subsídios ao milho para a produção de etanol e votado contra no Senado, Obama defende o subsídio, e nada indica que o forte lobby dos produtores americanos será superado para pôr fim à taxa que os Estados Unidos cobram sobre o etanol importado. Um acordo assinado entre os presidentes Bush e Lula, que incentiva a pesquisa do etanol e sua produção em países do Caribe e América Central, é muito criticado pelos produtores americanos. O temor é que o acordo permita que o Brasil se utilize dos países do Caribe, que estão isentos das taxas de importação pelo acordo de livre comércio, para exportar etanol para os Estados Unidos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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