PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
5/8/2008 |
Mesmo que o Brasil queira contornar a questão, ela permanecerá lá: devemos continuar amarrando toda a política tarifária brasileira à Argentina? A conversa entre o presidente Lula e a presidente do país vizinho, Cristina Kirchner, servirá apenas para apagar o incêndio provocado pelo desacordo no último momento da Rodada Doha. No entanto a questão continuará pendente. Os dois países têm hoje um comércio sólido. Desde o começo do Mercosul, o volume de comércio oscilou bastante em tempos de crise, mas, de ponta a ponta, saiu de US$3 bilhões em 1991 para os previstos US$ 30 bilhões este ano, como indica o gráfico. A Argentina virou um parceiro importante, há investimentos cruzados nos dois lados da fronteira e muitas possibilidades à frente. Mas o Mercosul apequenou suas ambições. Não avançou em várias etapas do processo de integração; criou uma hierarquia entre os membros que dá mais importância aos dois países grandes que aos dois pequenos; tem tentado incluir outros países sem uma estratégia clara de ampliação. A Venezuela já avisou que, se entrar, vai tentar impedir uma negociação com os Estados Unidos. Tem, portanto, um objetivo político previamente estabelecido. O acordo com os EUA pode sair ou não, mas aceitar o veto prévio a que se inicie uma negociação de um candidato a sócio é espantoso. Diante dos escombros da Rodada Doha, o Brasil tem que escolher os caminhos tanto da política tarifária quanto das iniciativas de comércio. O Brasil tem hoje tarifas exageradas de proteção à indústria. Há muito tempo, já deveria ter feito uma segunda abertura para aumentar a competição, para que as importações cumpram seu papel de disciplinar preços, para que o consumidor tenha vantagens em preços e variedade de oferta de produtos. O que atenua o problema é o câmbio atual, que tem barateado o item importado, porém, quando houver uma desvalorização da moeda nacional, o peso do protecionismo pode ficar alto demais. A queda das barreiras à importação na área industrial é moeda de troca para o que o Brasil quer e precisa: mais mercado para as nossas commodities agrícolas. A desavença que levou a Argentina a chamar o vizinho de "traidor" foi exatamente o Brasil ter aceitado um corte maior nessas tarifas. Uma Argentina forte e industrializada é boa para os dois países, mas esperar que a Argentina esteja pronta para que ocorra uma nova abertura tem um preço que é pago pelo consumidor brasileiro. Neste momento decisivo, pós-Doha, estamos amarrados: nossas tarifas externas são decididas pelos quatro, portanto, nossos passos dependem da aprovação dos vizinhos. O sonho de construir um bloco na América do Sul é sedutor. Contudo esta é uma região que gosta de desperdiçar chances e potenciais. Num bom momento de crescimento econômico em todos os países, alguns deles perdem tempo com populismo, ou reeditam conflitos ultrapassados e riscos antigos. A Argentina recriou o conflito peronismo versus campo; o Paraguai se prepara para criar uma tensão desnecessária com o Brasil; a Bolívia vive a síndrome do separatismo; a Venezuela desperdiça o melhor momento do preço do petróleo. A América do Sul tem um grande produtor de petróleo e um grande produtor de gás, e os dois atualmente, com demanda por esses produtos e preços em alta, estão em crise. A Venezuela, com inflação alta e subinvestimento; a Bolívia, com conflitos internos e hostilidade na relação com investidores e clientes. A Bolívia poderia estar aumentando o investimento e a produção de gás justamente agora. A Venezuela poderia estar aproveitando melhor os recursos do petróleo - que custava menos de US$20 quando Hugo Chávez assumiu -, mas o dinheiro extra vem sendo desperdiçado, como, por exemplo, na compra de um banco. O presidente Lula disse ontem que é preciso avançar na "coordenação das políticas públicas" no Mercosul. Como coordenar nossa economia com a da Argentina, que congelou tarifas públicas por cinco anos, afastou investidores estrangeiros, manipula índice de preços e impôs retenções nas exportações? |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, agosto 05, 2008
Míriam Leitão - Rumos do Mercosul
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