NOVA YORK. Com um novo vídeo, desta vez divulgado apenas na internet, em que explora de maneira sarcástica o endeusamento da figura do candidato democrata, comparando-o a Moisés e insinuando que o próprio Barack Obama se considera um iluminado, a campanha do republicano John McCain continuou ontem a tentativa de desconstrução de seu adversário, cuja liderança a cada dia vai se erodindo perigosamente. A diferença a favor do democrata está praticamente zerada, segundo as últimas pesquisas diárias. A campanha negativa parece estar tendo boa receptividade junto ao eleitorado, mas há quem tema no Partido Republicano que uma dose exagerada possa reverter contra McCain.
Do lado dos democratas, o maior temor é que se repita o que aconteceu em 1988 com o então candidato Dukakis, que chegou a ter uma dianteira de 17 pontos sobre Bush pai, acabou sendo derrotado, muito por causa de uma cerrada campanha negativa. Na verdade, tanto naquela eleição quanto agora, a economia tem papel de destaque no resultado.
Bush era o vice de Reagan e se aproveitou da melhora da situação econômica, enquanto hoje McCain carrega nos ombros as dificuldades econômicas do segundo governo de George W. Bush. De qualquer maneira, já entrou para a história das campanhas eleitorais americanas a propaganda sobre Willie Horton, um presidiário negro que, num fim de semana livre para visitar a família, estuprou e matou uma mulher branca.
O governador do estado de Massachusetts era Michael Dukakis, e a campanha de Bush pai aproveitou-se para explorar sua suposta leniência no combate ao crime, embora a lei que permitiu ao prisioneiro deixar a cadeia tenha sido aprovada anteriormente ao seu governo, e por um republicano.
Outro tristemente famoso filmete de propaganda eleitoral é o dos veteranos de guerra do Vietnã acusando o candidato democrata de 2004 John Kerry de não merecer as medalhas e honrarias por bravura. Como é praxe nas campanhas americanas, também um livro foi publicado com o título de “Unfit for Command” (Despreparado para Comandar), tendo ido para a lista de best-sellers.
Outros candidatos a presidente também foram alvos de campanhas difamatórias, como o próprio George W. Bush e Bill Clinton, mas os dois venceram suas respectivas eleições e foram reeleitos.
Um dos livros mais violentos contra o atual presidente Bush foi escrito por Molly Ivins, uma jornalista de esquerda do Texas, que, a começar pelo título, marcou o presidente com um apelido depreciativo: “Shrub”, o mesmo que “Bush” em inglês, uma espécie de arbusto.
O livro “Shrub: The Short But Happy Political Life of George W. Bush” (A curta mas feliz vida política de George W.
Bush) faz acusações pesadas contra o que a jornalista chama de negociatas e acordos políticos espúrios.
Com a subida de tom da atual campanha, é provável que surjam pelo caminho outras propagandas explorando a relação passada de Obama com o ex-pastor radical reverendo Jeremiah Wright, ou com William Ayers, professor de Chicago, que participou de um grupo terrorista nos anos 60 do século passado.
Esses e outros assuntos polêmicos, como a suposta educação muçulmana que teria tido na infância, fazem parte do livro “Um Caso contra Barack Obama, a improvável ascensão e a não examinada agenda do candidato favorito da mídia”, de David Freddoso, um jornalista de direita da “National Review”, que será lançado na próxima segunda-feira.
Por incrível que possa parecer, ainda existem 12% dos americanos que acreditam que o candidato democrata Barack Obama é muçulmano.
Recente pesquisa do Pew Research Center revelou que essa desinformação não se limita aos que se opõem a Obama, havendo a mesma proporção entre democratas e republicanos que acreditam nela.
A diferença contra Obama é que entre os democratas que acreditam que Obama é muçulmano, apenas 62% dizem que votarão nele, uma diferença de 28 pontos percentuais em relação aos democratas que acreditam que Obama é cristão, o que ele de fato é.
Essa percepção está mais arraigada nos grotões dos Estados Unidos, e uma reportagem da CNN mostrou recentemente que mesmo com a informação correta esses americanos desconfiam que uma pessoa com o nome de Barack Hussein Obama seja um muçulmano.
Há quem acredite que por trás da campanha mais agressiva de McCain está Karl Rove, um conselheiro político tradicional do partido republicano que coordenou a assessoria política das campanhas de George W. Bush, sendo responsável pelas campanhas negativas de propaganda, e foi seu assessor na Casa Branca. Em seu blog, ele criticava a campanha de McCain, taxando-a de incompetente e insossa.
Mas a história do marketing político tem exemplos de campanhas propositivas que deram certo, e também de campanhas negativas que reverteram contra seus autores.
Um exemplo bem-sucedido de campanha propositiva é um filmete considerado o caso mais conhecido da estratégia de reversão comunicacional: chama-se “Aburrido” (Aborrecido).
Feito pelo famoso marqueteiro americano Dick Morris para a campanha de De La Rúa à presidência da Argentina, em 2001, aproveitou características consideradas não populares do candidato, como sua rabugice e timidez, e transformouas em trunfo eleitoral.
Um caso de campanha de “desconstrução” que deu errado é também de Morris em uma campanha presidencial no México. O filmete “Labestida” (a besta) procurava ressaltar a percepção generalizada de que o candidato do PRI, Francisco Labastida, era burro. Os estrategistas do PRI identificaram, através de pesquisas, que havia espaço para vitimizar o candidato atacado, e o eleitorado ficou do seu lado. Vicente Fox perdeu pontos com essa peça, embora tenha se recuperado e vencido as eleições.
Na coluna de ontem, onde está escrito “propaganda em que os democratas tratam Obama como uma celebridade sem condições de governar o país...”, evidentemente deveria estar escrito “republicanos”.
Entrevista:O Estado inteligente
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