Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 18, 2008

Suely Caldas A partida de Meirelles

Sempre prudente, sensato e cuidadoso, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, surpreendeu ao confirmar, na terça-feira, após depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que vai mesmo deixar o cargo. Não disse quando, mas deve acontecer até setembro de 2009, a tempo de se filiar a um partido político e tentar a eleição de 2010. Indagado pela imprensa se era candidato ao governo de Goiás, respondeu: "Na minha vida aprendi a ser muito disciplinado e uma das características desta disciplina é que, no momento, sou presidente do Banco Central. Estou dedicado a isso. Vou pensar nesse assunto durante a quarentena."

Sua assessoria fez enorme esforço para descolar a resposta do contexto político, mas, no dia seguinte, Meirelles deu outra dica sobre seu futuro: participou de uma solenidade política em Anápolis (GO), onde dividiu espaço e discursos não com pessoas de perfil técnico, mas com o governador, o prefeito da cidade, senadores e deputados goianos. Em quase seis anos no BC, é a primeira vez que ele deixa a sisudez do cargo para se misturar a políticos em ato público.

Meirelles escolheu o pior e mais impróprio momento para revelar-se: a inflação disparando, juros futuros em alta, superávit externo em queda e o ministro Guido Mantega impondo a criação de um fundo soberano. Por ter explicitado várias vezes resistência à idéia desse fundo - pelo menos enquanto o Brasil não começar a reduzir sua enorme dívida -, o presidente do BC passou para o mercado uma mensagem ruim, uma espécie de rendição nos embates com o Ministério da Fazenda, nada bom para o futuro da economia. Afinal, se o BC é o principal fiador de uma política econômica que reduziu a inflação e os juros e expandiu a produção e o emprego, uma escolha errada de substituto pode pôr em risco esse êxito. Seria um petista? Alguém sem nenhuma familiaridade e experiência no trato com o mercado? Abriu-se uma estrada longa para especulações.

Para quem acompanha a trajetória e o comportamento estritamente técnico de Meirelles à frente do BC soou estranha sua conduta. Sobretudo porque ele, mais do que qualquer ministro do governo Lula, conhece perfeitamente os estragos ou euforias que a conduta de um presidente do BC tem o poder de fazer prosperar no mercado. É claro que a piora dos indicadores macroeconômicos está na base, mas o agravamento das expectativas dos agentes financeiros, nos últimos dias, teve que ver também com as dúvidas geradas pela sensação de partida de Meirelles.

O quadro econômico é delicado neste momento. Na quinta-feira a pesquisa Termômetro-Agência Estado, aplicada nas 34 principais instituições financeiras do País, avaliou que, em junho, o Copom vai elevar a taxa Selic entre 0,5% e 1% e que até o final do ano ela avança para 14,5% (hoje está em 11,75%). Ou seja, se os juros crescem, a dívida pública vai junto, a atividade econômica desaquece, o emprego e a renda caem. Esse prenúncio de futuro decorre de pressões sobre os preços e da sensação de descontrole da inflação. O IGP-10 de maio da FGV acumula alta de 5,26% no ano e 13,35% nos últimos 12 meses. O IPCA, que mede a meta de inflação, cresceu 0,55% em abril e os agentes do mercado prevêem que encerrará o ano em 5,8%, bem acima dos 4,5% do centro da meta.

O mais grave é a rapidez com que o quadro de inflação e juros piora e sem sinais de recuo. Acusado de exagero, quando elevou em 0,5% a taxa Selic em abril, o BC explicou ter aplicado a fórmula Maquiavel: o mal se faz de uma só vez. Esperava parar por aí e a inflação ceder. Mas Maquiavel não funcionou desta vez e o Copom vai elevar a taxa novamente na reunião de junho.

A idéia de candidatar-se ao governo de Goiás é cogitada por Henrique Meirelles desde 2002, quando foi eleito senador pelo PSDB e renunciou ao mandato (sem chegar a exercê-lo) para presidir o BC. É seu direito retomá-la. Mas, em qualquer lugar do mundo, sucessão em Banco Central é algo complicado porque mexe com um mercado financeiro que, por lucrar com oscilações de preço de ativos, fica muito feliz quando surgem motivos para especulações. Por isso tem de ser conduzida com cuidado.

A piora no quadro econômico deve agora concentrar as atenções de Meirelles. Atos políticos podem ser adiados e há muito tempo para isso. Mas é fundamental que ele retome sua liderança ante o presidente Lula e o convença a continuar no bom caminho e não cometer aventuras, como criar este fundo soberano.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br

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