Aumento do superávit primário vai capitalizar poupança em moeda forte, diz Mantega; nova meta não terá anúncio formal
Projeto do fundo deve chegar ao Congresso nesta semana; financiamento ao BNDES e à Petrobras pode chegar a R$ 13 bilhões no ano
VINICIUS TORRES FREIRE
GUILHERME BARROS
COLUNISTAS DA FOLHA
Em entrevista à Folha, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o projeto de lei que cria o Fundo Soberano do Brasil (FSB) deve ser enviado ao Congresso amanhã, em regime de urgência. O texto do projeto de lei ficou pronto na sexta-feira passada.
Pelo documento, o FSB vai receber dinheiro do Orçamento, dos impostos, e será o cotista do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), que será constituído provavelmente no Banco do Brasil. O FFIE será gerido pelo pessoal do Tesouro Nacional, com a supervisão de um conselho, que deverá contar com membros da diretoria do Banco Central.
O FFIE comprará dólares no mercado doméstico e vai investi-los em estatais brasileiras no exterior. Poderá emprestá-los para a filial estrangeira do BNDES e para a Petrobras (por meio da compra de debêntures dessas empresas), a juros interbancários internacionais (em torno de 3% ao ano). Poderá ainda comprar recibos de ações da Petrobras no exterior.
O BNDES, por sua vez, vai financiar a compra de produtos de empresas brasileiras no exterior e a expansão dessas companhias fora do país.
"Nós não temos a expertise para esse tipo de operação e é por essa razão que o BNDES fará os empréstimos para as empresas privadas", diz Mantega.
O Tesouro Nacional também poderá emitir dívida pública (tomar dinheiro emprestado no mercado doméstico) a fim de comprar dólares e complementar o capital do FFIE. Essa seria a "segunda perna" do fundo, embora não esteja nos planos criá-la tão cedo. Tudo vai depender do contexto econômico, do fluxo de dólares e da "coordenação" da política de câmbio com o Banco Central.
"Nós vamos trabalhar em sintonia com o Banco Central", afirma o ministro da Fazenda.
A equipe econômica do governo espera que o FSB possa contar neste ano com recursos equivalentes a 0,5% do PIB, ora estimados em cerca de R$ 13 bilhões. O dinheiro não chegaria ao fundo de uma só vez -deve começar com algo em torno de R$ 7 bilhões.
De acordo com Mantega, os aportes ao fundo devem ocorrer de três a quatro vezes ao ano. Tanto o volume de dinheiro como a oportunidade de capitalizar o fundo dependerão do desempenho fiscal do governo. Isto é, da receita de impostos e do nível de despesas.
O que é um fundo
Fundo soberano é uma reserva constituída de moedas fortes, como o dólar. Trata-se de um fundo de poupança criado por governos cujos países têm excesso de arrecadação de impostos ou superávit nas contas externas (excedentes nas transações comerciais e financeiras com o resto do mundo).
Mantega faz questão de ressaltar que o Brasil tem e terá excedentes para colocar no fundo soberano. Em primeiro lugar, o ministro argumenta que, no ano passado, o saldo do balanço de pagamentos foi de US$ 87 bilhões. Segundo, mas não menos importante, de acordo com Mantega, é que o Brasil deve ter "em breve" (em 2009 ou 2010) superávit nominal nas contas públicas.
O superávit primário é o saldo do governo antes de serem consideradas as despesas com os juros da dívida pública. O governo terá superávit nominal quando a arrecadação de impostos for suficiente inclusive para pagar os juros. Nos 12 meses encerrados em março, o superávit primário do setor público foi de 4,46% do PIB. Como a despesa com juros foi de 6,1% do PIB, o déficit nominal foi de 1,64% do PIB. Mas o governo começaria seu fundo mesmo sem ter superávit nominal. "A Índia tem déficit e anunciou um fundo", diz o ministro.
Por que, então, não usar o superávit primário adicional para reduzir a dívida pública ou investir em infra-estrutura? Mantega argumenta que, quanto a investimentos, a capacidade de investir do governo esbarra num limite operacional. Isto é, o governo já reserva mais recursos do que é capaz de gastar: faltam bons projetos e o Estado ainda está remontando uma estrutura para gerenciá-los e investir de maneira eficaz.
O ministro argumenta que o superávit de 3,8% do PIB já é suficiente para reduzir a dívida pública. Destinar o superávit extra para o fundo soberano auxiliaria o governo a atingir outros objetivos relevantes de política econômica.