Obama rompe com o celerado pastor de sua igreja, e deixa uma dúvida no ar: por que mesmo o radical foi seu guia espiritual?
André Petry, de Nova York
Fotos Jodi Kantor/NYT e Charles Ommanney/Getty Images |
Obama, que começou a cair nas pesquisas, e seu ex-pastor racista (no detalhe): até o vírus da aids veio só para dizimar os negros |
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Imagine o presidente Lula, no auge da campanha eleitoral, sendo bombardeado pelo ex-frei Leonardo Boff, seu amigo de anos e estrela da Teologia da Libertação. Agora, imagine que, mais do que amigo, Boff tenha recrutado Lula para sua igreja, celebrado seu casamento e batizado seus filhos. Pois a relação do senador Barack Obama com seu ex-pastor Jeremiah Wright Jr., um senhor de 66 anos e uma língua afiada na navalha, é mais intensa do que isso. Ou melhor: era. Na semana passada, depois de ouvi-lo enfileirar uma seqüência de barbaridades num incansável tour pela mídia, Obama convocou a imprensa e anunciou seu rompimento com o pastor. "Conheço o reverendo Wright há quase vinte anos. Mas a pessoa que vi não é a mesma que encontrei há vinte anos", disse. Em entrevistas variadas, Wright disse que os Estados Unidos foram alvo de terrorismo porque têm um governo terrorista, saudou Louis Farrakhan, o amalucado líder de um grupo anti-semita que prega o ódio racial, como uma das grandes vozes do século XX, acusou o governo americano de ter produzido o vírus da aids para aniquilar os negros e – pérola derradeira – sustentou que Obama só não expressa concordância pública com tais pontos de vista por razões eleitorais.
"Isso mostra que ele não me conhece tão bem e, diante do que tem dito, mostra que talvez eu também não o conheça tanto quanto pensava", rebateu Obama. Num país em que fé religiosa serve de carteira de identidade, o estrago do pastor, somado à recente derrota de Obama nas primárias da Pensilvânia, transformou em calvário o que parecia um passeio. Antes, 69% dos democratas achavam que Obama ganharia a disputa com Hillary Clinton pela candidatura presidencial. Agora, o número caiu para 51%. As tiradas incendiárias do ex-pastor poderiam abalar a candidatura de Obama pelo que expressam de ideologia esquerdista. Como os EUA há muito sepultaram a paranóia de enxergar comunistas ocultos em cada esquina, o que pode prejudicar Obama é o ressentimento racial do reverendo – um líder espiritual que acha que ataque contra ele é ataque contra a "igreja negra" e que suas opiniões expressam as idéias da "comunidade negra". Com isso, Wright pode minar o esforço de Obama em apresentar-se como um candidato acima de divisões raciais, e não como negro. Nos bastidores do caso, há sinais de que Wright chutou o balde por achar que a neutralidade racial do discurso de Obama equivalia à cooptação de seu filho pródigo por parte dos "brancos".
Wright aposentou-se em fevereiro passado como pastor da Trinity United Church of Christ, a qual dirigia desde 1972. No púlpito, ele nunca escondeu seu discurso radical, sua simpatia pelo nacionalismo negro e sua aversão aos valores da classe média americana. Guiou sua igreja orientado pela Teologia da Libertação Negra, criada pelo teólogo James Cone em 1969, mas que não pode ser confundida como bandeira de esquerda. Ao contrário da Teologia da Libertação de Leonardo Boff, a criação de Cone apareceu com o objetivo de evitar que os jovens negros, decepcionados com a "religião dos brancos", caíssem nos braços do marxismo, então com muito mais prestígio do que hoje. Sob o comando do pastor de Obama, a Trinity United cumpriu seu papel. Quando Wright a assumiu, tinha uns 100 fiéis. Quando a deixou, tinha mais de 8.000, entre eles uma estrela do Partido Democrata. Wright virou um problema para Obama quando apareceu um vídeo com um sermão em que o pastor, do púlpito, pedia que os Estados Unidos fossem amaldiçoados. Na época, Obama criticou o pastor, mas não rompeu com ele. Agora, não deu mais. A dúvida que fica é saber se há algum fundo de verdade no que disse Wright: Obama realmente discorda do seu pastor de vinte anos ou esconde sua concordância só para não pulverizar seu eleitorado?