"O campeonato continua"
"O grau de investimento é apenas o reconhecimento de que
a economia se encontra mais estável, mas não é garantia de
crescimento futuro nem de melhora do bem-estar. Vai ser
necessário construir por cima das fundações"
Leo Pinheiro/Ag. O Globo |
A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil ao chamado grau de investimento. É relevante que fique claro o que isso significa. Após anos jogando com consistência, a equipe finalmente passou para a primeira divisão. Agora, até os espectadores estrangeiros mais cautelosos vão poder assistir aos seus jogos. A crítica especializada ressaltou a qualidade do time cuja base foi montada no início do campeonato e mantida até o final. O presidente do clube disse que o resultado mostra a seriedade do trabalho. Para a torcida, a ascensão já era esperada, e é motivo de orgulho. Mas ela sabe que, para fazer sucesso na primeira divisão, não basta o passado. O clube precisa evoluir e modernizar-se, investir nas divisões de base, remover obstáculos a novas contratações, sem esquecer que o ingresso aos jogos não pode continuar custando quase 40% da renda do torcedor.
Resumindo: alcançar o grau de investimento não significa que o país resolveu repentinamente os seus problemas econômicos. Na verdade, a classificação de risco nem é uma medida da força econômica do país ou do bem-estar da sua população. Várias economias atingiram no passado o grau de investimento, como as da África do Sul, Botsuana, Cazaquistão, Chile, China, Croácia, Hungria, Índia e Japão, entre outras. Trata-se de um grupo heterogêneo: algumas dessas economias são pequenas, outras crescem pouco, outras, ainda, são mais pobres que o Brasil. A classificação de risco mede apenas a capacidade e a disposição dos países de honrar os seus compromissos com os investidores. O grau de investimento é um sinal de segurança para os investidores emitido pelas agências de classificação. Por que, então, tanto se comemora essa elevação de grau?
Há várias razões. Para alguns, a mais importante é o impacto sobre os investimentos. Diversos investidores institucionais estrangeiros – como fundos de pensão, hoje proibidos pelos seus regulamentos de colocar recursos em economias com grau especulativo – agora vão poder aplicar no Brasil. Isso trará mais financiamento a custos menores para as empresas. Uma parte dessa melhora, é verdade, já ocorreu nos últimos anos com a simples expectativa de promoção do país a grau de investimento. E o regulamento de algumas instituições exige ainda que uma segunda agência de classificação confirme o grau de investimento antes de investir no Brasil, o que retardaria, por enquanto, boa parte dos efeitos benéficos ao país. Novos investimentos virão, agora ou mais tarde. Mas essa não é a razão mais relevante para comemorar a elevação do grau. O que importa é que, ao contrário de outros momentos da história brasileira, os fatores que levaram à melhora na capacidade de pagamento do país são os mesmos que contribuem para o desenvolvimento econômico.
As considerações da S&P ao promover o Brasil a grau de investimento ilustram o avanço recente do país. Em primeiro lugar, a agência ressaltou a estabilidade macroeconômica alcançada nos últimos anos em função da manutenção de uma mesma política econômica calcada no câmbio flutuante e no regime de metas de inflação. A política econômica tornou-se mais previsível. Empresários e trabalhadores podem hoje dedicar-se aos seus negócios e empregos sem se preocupar com os grandes pacotes que alteravam a vida do cidadão da noite para o dia. Atualmente seria impensável o brasileiro acordar e descobrir que a maioria de seu dinheiro foi congelada, como ocorreu no Plano Collor, em 1990. Ou que o valor de suas economias venha a definhar rapidamente ao longo do mês, com a inflação galopante típica do período que antecedeu o Real – a recente atuação tempestiva do Banco Central do Brasil no combate à inflação crescente foi citada como exemplo de maturidade, raro nos países que detêm grau especulativo. Em segundo lugar, houve uma substancial melhora nas contas externas do Brasil. Hoje, com apenas uma pequena parcela das receitas da conta-corrente do balanço de pagamentos, o país já poderia pagar toda a sua dívida líquida. E pode facilmente financiar o recente déficit externo com as atuais entradas de investimento direto estrangeiro. Ou seja, diminui muito o risco de uma crise cambial em razão de saída brusca de capitais no balanço de pagamentos – como foi o caso em tantas crises no passado.
A obtenção do grau de investimento é o sinal de que o país se tornou mais estável. Mas existem considerações que vão além da estabilidade para a decisão de investimento. Ainda há substanciais obstáculos para fazer negócios no Brasil, tanto que, nas classificações internacionais de competitividade e facilidade de fazer negócios, o país continua mal colocado. A própria S&P considera que, para acelerar o crescimento sustentado no Brasil para além dos atuais 4%, 4,5%, seria necessário investir mais, simplificar o regime tributário, abrir a economia, flexibilizar o mercado de trabalho (reduzindo o custo da folha), remover obstáculos para os investimentos privados, em resumo, reduzir o chamado custo Brasil. Além disso, o ponto fraco do Brasil, citado no relatório da S&P, ainda é a dívida do governo. Ela permanece em níveis acima do que seria esperado de países que já obtiveram o grau de investimento. E não há perspectiva de melhora substancial, já que o estado continua expandindo os gastos a taxas muito elevadas.
Em suma, o grau de investimento é resultado da melhora nas contas externas, da manutenção do regime cambial e monetário e do conseqüente crescimento maior do PIB. É apenas o reconhecimento de que a economia se encontra mais estável, mas não é garantia de crescimento futuro nem de melhora do bem-estar. Vai ser necessário construir por cima das fundações, adequando o governo e o crescimento de seus gastos, investindo em educação e reduzindo a elevada carga tributária. A torcida agradeceria.
Ilan Goldfajn é sócio-diretor da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças e professor da PUC