RICARDO NOBLAT
Pensando em voz alta - ou por escrito. Sujeito, portanto, a revisão.
Ao concluir que não tinha como evitar a criação de uma CPI para investigar gastos com cartão corporativo, o governo Lula decidiu se preparar para a batalha política que necessariamente travaria ali com a oposição. E uma de suas armas seria a exposição de gastos considerados "exóticos" do governo passado.
O que pretendia com isso? O de sempre: valer-se da desculpa de que "todos fazem".
Assim como "todos os partidos" usam Caixa 2, e o mensalão não passou de Caixa 2, segundo Lula e o PT, todos os partidos derrapam em eventuais abusos cometidos por autoridades com acesso à boca do caixa.
Procedeu-se ao levantamento de gastos "exóticos" da Era Fernando Henrique Cardoso. E parte deles foi reunida em uma planila de Excel que acabou vazando.
Se o governo tivesse logo admitido que providenciara o tal levantamento e que nada demais havia nisso, o assunto teria morrido há muito tempo.
Mas não: o governo tentou enrolar com a história de chamar dossiê de banco de dados. E acabou enrolado em suas próprias mentiras.
Não passa de manobra diversionista a tentativa de se pegar no pé do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) por ter repassado à imprensa cópia do dossiê que um dos seus assessores recebeu de um amigo que trabalha na Casa Civil da presidência da República.
Como a imprensa tem acesso à maioria das informações que publica? Por meio de quem a informa. Ela não testemunha tudo. Ela não testemunha sequer a maioria dos fatos que divulga. É assim aqui e em toda parte.
A revista VEJA, uma vez, recebeu extratos do Imposto de Renda de PC Farias, ex-tesoureiro da campanha a presidente da República do atual senador Fernando Collor de Melo (PTB-AL). Se os publicasse, correria o risco de ser acusada de divulgar informações que a lei considera sigilosas.
Como desfruta de imunidade, um parlamentar poderia divulgá-las, sim. E o então deputado José Dirceu (PT-SP) concordou que a revista lhe atribuísse a origem das informações. Foi como se ele as tivesse recebido e repassado à VEJA.
Uma decisão da Justiça norte-americana interrompeu nos anos 70 a publicação de documentos reservados do Pentágono pelo jornal The New York Times. Os documentos se referiam à guerra do Vietnam e ao massacre de civis por soldados dos Estados Unidos.
O jornal Washington Post deu sequência à publicação dos documentos e enfrentou dura batalha judicial para sustentar o direito dos norte-americanos à livre informação.
Aqui, muita gente reclama que a imprensa se atribui o papel de oposição ao governo à falta de uma oposição partidária articulada e competente.
Curioso: o presidente francês recém-eleito compartilha da mesma queixa. Todos os governos se queixam da imprensa quando ela não se limita a exaltar suas virtudes.
A imprensa norte-americana foi condescendente com o governo Bush quando ele invadiu o Afeganistão e depois o Iraque. Só mais tarde se deu conta de que ele mentira desavergonhadamente. Não havia armas de destruição em massa no Iraque. Não havia ligações entre o governo Sadam e a organização terrorista de Bin Laden.
Resultado: grande parte da credibilidade da imprensa norte-americana foi para a lata do lixo. Essa é uma das razões por lá da crise responsável pela diminuição das tiragens dos jornais e da audiência das emissoras de televisão.
Governo algum foi eleito para mentir ou ocultar a verdade.
Não importa o tamanho da mentira ou a relevância dela. Se não for denunciada, dará a vez a mentiras maiores e mais graves.