Se as pesquisas continuarem a registrar acelerado ritmo de aprovação ao terceiro mandato, antes que chegue a próxima eleição a tabela dos pontos porcentuais favoráveis ultrapassará os 100%, o que levará eventuais opositores (se ainda sobreviverem) a se darem beliscões, seguidos de indagações: "Existo ou sou um elemento virtual, moro ou não neste território?" Questionar pesquisa ancorada em base científica parece ranzinzice. Mas não se deve fechar os olhos à análise criteriosa do conceito de pesquisa, em especial quando se sabe que ela é poderosa arma de marketing a serviço de candidatos e grupos. Apesar de democráticas, aferições financiadas por entidades do mundo dos negócios levantam uma réstia de desconfiança. Não se trata de pôr em dúvida o gabarito de institutos, mas desconfiar do interesse subjacente de patrocinadores, cujas marcas alcançam alta visibilidade com as pesquisas. Persiste uma dúvida sobre o real interesse do financiador: quer só saber como está a imagem do governante?
Deixemos de lado poréns e todavias e analisemos o que é substantivo. É comum dizer que pesquisa é uma foto do momento. E é. Pincemos o caso Isabella, a menininha assassinada, fato conhecido por 98,2% dos brasileiros, segundo a mesma pesquisa sobre o terceiro mandato. Diante de eventual pergunta sobre punições para o pai e a madrasta da garota, incluindo pena de morte e prisão perpétua, situações não previstas pelo sistema penal brasileiro, a maioria dos consultados seguramente as colocaria nos primeiros lugares. Debrucemo-nos, agora, sobre a moldura nacional: moeda estável; 12 milhões de famílias - abrangendo 46 milhões de brasileiros - sob o abrigo do Bolsa-Família; classe média baixa com acesso ao crédito; Lula permanecendo 25 horas por dia no palanque do PAC (uma hora a mais por conta da redundância discursiva); expansão do emprego com carteira assinada; ameaça de crise internacional passando ao largo; oposições sem discurso; José Serra, opositor mais forte, sorridente, ao lado de Lula; Senado e Câmara com pautas travadas por conta das MPs; filas menores em aeroportos; alianças para as eleições de outubro sob o signo da geléia geral; greves refluindo.
Nessa conjuntura de normalidade, o cidadão é confrontado com uma pergunta que não deixa dúvidas: "Está gostando da situação?" Antes de tomar fôlego, lá vem outra, com jeito de indução: "Se Lula é o responsável por isso, quer que ele continue?" Responder não seria surpresa. Afinal, a aprovação do desempenho presidencial chega a 69,34%, um recorde. Como a continuidade só ocorrerá em 2010, a foto de hoje, feita sob a incidência de raios de Sol no poente, projeta a distorcida sombra do futuro. Está, portanto, fora de foco. Além da data longínqua, vale conferir, ainda, a qualidade do equipamento utilizado (intervalo entre as pesquisas, impropriedade da amostra), a angulação da lente (desenho da amostra em relação ao universo pesquisado), a sensibilidade do filme (no caso, as perguntas e a seqüência no questionário) e o perfil profissional do fotógrafo (instituto especializado, patrocínios empresariais, clientes e grupos interessados). São esses aspectos que devem ser avaliados em conjunto. Indagações diretas ou indiretas sobre o mesmo fato poderão obter respostas diferentes. A mesma pergunta no início ou no fim do questionário propicia respostas diferentes.
Não há mal em averiguar, de maneira periódica, a disposição geral da população, satisfação, indignação, frustração, confiança nas instituições e até uma avaliação sobre os governantes. A insistência, porém, em mapear de maneira quase obsessiva o campo eleitoreiro causa desconfiança. O País não pode permanecer todo o tempo sob a égide de contínuo processo eleitoreiro. Há densa pauta a merecer avaliação. A pesquisa é também ferramenta de ajuste, completando outro objetivo: oferecer ao governante a visão das demandas sociais. A educação melhorou, a saúde continua na UTI? A "pesquisamania" que navega nas águas do marketing contribui para que os interstícios eleitorais se tornem cada vez mais estreitos, reforçando apenas o ego dos governantes. Se aparecem bem na foto, persistem na pose. Se estão desfocados, procuram meios para melhorar as cores da imagem. Os mapas eleitoreiros acabam por mostrar que somos habitantes de Liliput, pequenininhos, e estamos sempre à espera de um gigante para nos salvar. Do tipo Hulk, o gigante