Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 21, 2008

Dora Kramer - Socialização do prejuízo





21/5/2008

Olhando de relance, parece completamente incoerente o modo como o governo lida com a questão da CPMF.

No mesmo dia, lança a idéia de ressuscitar o imposto, mas o presidente Luiz Inácio da Silva se recusa a assumir a paternidade da idéia e manda repassar a tarefa ao Congresso, recomendando à sua base um esforço para evitar “animosidades”.

Ato contínuo, Lula discursa para 2 mil prefeitos falando sobre o tema cujo patrocínio acabara de recusar, e o faz em tom bastante animoso contra os senadores responsáveis pela extinção da CPMF no fim do ano passado.

Observando com mais vagar, é possível enxergar absoluta coerência no cenário: o governo quer o imposto perdido de volta, tem noção da impossibilidade da realização desse desejo, mas não perde a oportunidade de tirar dividendos políticos da adversidade.

A cada vez que o presidente lembra às platéias o quanto poderia fazer com o dinheiro perdido, reduz um pouco o tamanho da derrota sofrida no Senado em dezembro.

De tanto repetir que o Brasil está ótimo, mas poderia estar uma maravilha se tivesse mais R$ 40 bilhões em caixa todo ano, Lula acaba conseguindo inverter a ordem dos fatores para públicos dispostos a ouvir. Como o de prefeitos, todo ele aplausos quando o presidente atacou os senadores.

Mas não é só isso. Na atual conjuntura o presidente Lula está precisando de justificativas para reduzir os danos de três vetos impopulares que, tudo indica, terá de fazer a decisões do Congresso: a regulamentação da emenda 29, que aumenta os repasses de verbas para a Saúde, o fim do fator previdenciário e a extensão do reajuste do salário mínimo aos aposentados e pensionistas.

Se tais vetos são desconfortáveis em qualquer situação, em ano eleitoral requerem administração estratégica. Nesse ponto, a CPMF entra na história.

Se o Senado recusar a recriação do imposto, como recusará, Lula atribuirá a essa recusa a necessidade dos vetos, pois - argumento lógico - sem receita adicional não poderá autorizar gastos extras. Resumo da ópera: Lula usa a CPMF para atribuir a outrem a responsabilidade por atos de potencial político oneroso.

Esse “outrem” é o bode expiatório ideal, dada a longa folha de serviços prestados pelo Poder Legislativo à desmoralização da atividade política.

É a segunda vez que o governo fala na volta da CPMF desde a derrota de dezembro. Ainda em janeiro, a idéia foi publicamente defendida pelo vice-presidente da República, José Alencar, pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e pelo líder do governo na Câmara, Henrique Fontana.

O Palácio do Planalto logo correu para negar - “Não podemos ser derrotados duas vezes”, disse o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro - e deu à tropa a ordem para recuar.

Fontana ainda tentou uma saída intermediária, dizendo que a base governista incluiria a CPMF na proposta de reforma tributária, e arquivou-se o assunto. Evidentemente, sem CPMF alguma na reforma.

O tema volta agora à cena, desta vez com a quase chancela do Planalto. A Presidência promoveu reunião a respeito e, dela, resultou a decisão do presidente de deixar o Congresso “à vontade” para aprovar ou não a nova versão do imposto do cheque, com os argumentos velhos de sempre: alíquota reduzida e destinação exclusiva para a Saúde.

Mas se o governo quer mesmo a CPMF de volta, sabe que só terá se patrocinar (em todos os sentidos) a proposta. Mas aí é enorme o risco de levar de novo na cabeça e essa fatura Lula não quer pagar. Quando deixa a coisa nas mãos do Congresso, onde não costuma prosperar o fenômeno da geração espontânea, o presidente tira de caso pensado o corpo fora.

Poderá, assim, transferir a conta do fracasso à incompetência da “base” e ainda socializar o prejuízo político dos vetos impopulares à sua espera, com o Parlamento em geral e - melhor de tudo - com a oposição de uma maneira muito particular.

Se no palanque já é responsabilizada pela falta das obras presumivelmente financiadas com os R$ 40 bilhões perdidos, será culpada também por ter obrigado o bom presidente a vetar o aumento de verbas para a Saúde, o reajuste dos velhinhos e a redução do limite de idade nos cálculos para fins de aposentadoria.

Imagem e semelhança

O depoimento de José Aparecido Nunes na CPI dos Cartões teria representado um prejuízo de proporções gigantescas se o governo tivesse algum compromisso moral com a verdade, a coerência e a consistência. Como não tem, foi um sucesso.

Decoro

O deputado Carlos William tem todo o direito de defender suas idéias. Mesmo as estapafúrdias, como a permissão de reeleições infinitas para presidentes da República.

Mas agressões ao ouvido alheio, a golpes sucessivos de “que sejem”, como fez ontem na CPI, o deputado Carlos William não tem imunidade parlamentar para cometer.

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