Os dois avalistas do acordo, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel, preferiam fazer tudo direitinho, de papel passado e com a bênção de cima.
A harmonia seria o ideal, mas, não sendo possível, Pimentel e Aécio ficam com a lógica e as regras locais. E estas apontam a escolha de um candidato de consenso entre os dois representantes de forças antagônicas no cenário nacional, como conseqüência natural de uma relação baseada na política da boa convivência administrativa.
Pode haver novas consultas a instâncias do PT, pode haver recurso à Justiça, pode no limite até acontecer uma intervenção para enquadrar o diretório municipal.
Tudo inútil. O candidato escolhido, Márcio Lacerda, não é do PT nem do PSDB. É do PSB, que se coliga com quem bem quiser e não está sob jurisdição do PT.
Os petistas tampouco dispõem da prerrogativa de definir a quem o governador do PSDB emprestará seu apoio. Já prevendo dificuldades, Aécio Neves não lançou candidato tucano a prefeito e, portanto, está livre para quaisquer informalidades.
Nesse caso, quem perde é a chapa PSB com o PT na vice, porque o tempo de televisão reservado ao PSDB será dividido entre todos os outros partidos, conforme a legislação. Além disso, nada muda sendo a coligação formal ou informal como tantas já feitas mesmo quando a lei (da verticalização) impunha fidelidades.
A direção nacional sempre poderá, é claro, insistir em exibir os músculos. Conviria antes, porém, lembrar das conseqüências da última vez em que a força nacional se impôs à dinâmica local.
Foi no Rio de Janeiro, em 1998. No afã de preservar a aliança Lula-Brizola na eleição presidencial daquele ano, a cúpula petista ignorou a decisão do partido em prol da candidatura de Vladimir Palmeira ao governo e impôs uma aliança com Anthony Garotinho, então brizolista.
Leonel Brizola rompeu ainda durante a campanha, Benedita da Silva assumiu como vice o restante do mandato de Garotinho, desgastando-se ao máximo no período, e da conturbada relação, o PT levou como legado o apelido de "partido da boquinha".
O PT viveu seu exemplo de como pode ser maléfica a indiferença às leis da província, em vigor em todo o território nacional. Ainda assim, em função de 2010 e da vontade de Lula de dirigir o debate para os temas nacionais, o partido se atira ao desatino de tentar revogar a ordem natural das coisas.
Grilo falante
O deputado Chico Alencar não tem grandes pretensões quantitativas como candidato do PSOL à Prefeitura do Rio de Janeiro, mas, no quesito qualitativo, se propõe a cumprir o papel de consciência crítica na campanha.
Nessa condição, prevê como se apresentarão seus adversários ao eleitorado a partir de julho.
O senador Marcelo Crivella, acredita, vai acentuar o fato de ser "ex-bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, de modo a mostrar distância da igreja e tentar, assim, se manter no topo das pesquisas livrando-se do título de primeiro também em rejeição.
Fernando Gabeira, companheiro de Alencar no grupo dos confrontadores das normas do corporativismo no Congresso, na opinião do deputado acabará adotando um discurso "água com açúcar" a fim de que suas posições mais ousadas no campo dos costumes não assustem o eleitor nem desviem o foco da candidatura para longe dos temas municipais.
A deputada Solange Amaral, candidata do prefeito César Maia, carregará com desconforto o desgaste do patrocinador e a ex-deputada Jandira Feghali ficará na busca "desesperada" pelo apoio do presidente Lula e do governador Sérgio Cabral, "que têm outras preferências, desprezando o oficialismo radical do PC do B".
Já o candidato petista da aliança Lula-Cabral, Alessandro Molon, terá sua juventude e combatividade contaminadas pela "vilania" dos "homens de bens" da Assembléia Legislativa, outrora alvo de suas críticas.
"Homens de bens" é a definição - de duplo sentido proposital - dada ao grupo do PMDB que domina a Assembléia e avaliza a chapa encabeçada por Molon.
Nesse cenário, Chico Alencar entra de estilingue: "Prefiro ficar com meu pouco tempo de televisão e penúria financeira, mas independente para criticar a politicalha reinante, com alianças de contrários, e fazer propostas para o Rio voltar a ter governo."
Com essa posição, ele poderá, ou não, deslanchar na simpatia popular. Vai depender da demanda do eleitor. Agora, no que tange à antipatia dos pares, é candidato certo ao primeiro lugar.
Não obstante a pertinência da análise sobre as circunstâncias de cada um, descontado qualquer juízo de valor sobre os respectivos desempenhos eleitorais.