Depois da surpreendente punhalada que fere fundo, o afago que afoga dores, cauteriza feridas e sufoca revides. O presidente Lula recorreu de novo a essa fórmula, testada com freqüência crescente desde janeiro de 2003, para enfraquecer ainda mais a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sem se expor ao risco de ver fora do governo uma figura mundialmente admirada como defensora da Amazônia.
"O companheiro Mangabeira vai ser o coordenador dos trabalhos", informou Lula ainda no meio do discurso que celebrou o lançamento do Plano Amazônia Sustentável. Era a punhalada: até aquele momento, a ministra acreditava que o posto lhe pertencia. "Mas ninguém tira de você, Marina, a idéia de ser a mãe do PAS", consolou o orador. Era o afago, sublinhado pelo sorriso confiante de quem está até cansado de tanto vencer.
Marina reagiu ao recado com o sorriso sem luz de quem enfim se cansara de perder. Compreendeu que, antes de ser promovida a mãe de sigla, perdera a guarda do filho para o ministro Mangabeira Unger, um sotaque à caça de idéias. Era o beijo da morte, constatou. Lula não percebeu que fora longe demais.
"Estou casado há 34 anos, e tenho uma relação política com Marina Silva há 30", diria com voz de espanto na terça-feira, cinco dias depois do desastrado improviso, um Lula atônito com a demissão da acreana franzina e valente que conheceu quando o PT nem nascera. A carta de despedida atesta que não há diferenças relevantes para a jovem discípula de Chico Mendes e a remetente. Quem mudou – e muito – foi o destinatário.
O Lula do século passado não dava um pio sobre questões ambientais sem consultar a companheira que nascera no meio da mata, começara a alfabetizar-se já adolescente, resistira a todas as doenças da selva, sobrevivera como empregada doméstica e chegara ao Senado com pouco mais de 30 anos. O novo Lula reduziu a estorvo o que já foi oráculo.
Marina talvez devesse ser menos teimosa, sugere um ligeiro balanço da gestão. Lula certamente não deveria ser tão flexível, sabem até as sucuris de quartel. O chefe do PT que ouvia Marina é o chefe de governo que ouve Blairo Maggi. A ministra ama a Amazônia, embora não saiba com clareza como defendê-la. O governador de Mato Grosso odeia a floresta, e sabe como destruí-la. "A crise dos alimentos só será resolvida com a derrubada de árvores", receita o terror das matas.
"Se deixar, ele planta soja até nos Andes", preveniu Carlos Minc horas depois de aceitar o convite para instalar-se no gabinete que Marina desocupou. Lula garante que Maggi, além de bom companheiro, é homem sensato. "Ele saberá conciliar o agronegócio com a preservação do ambiente", ilude-se. Abalado pelo contra-ataque, o presidente decolou rumo à estratosfera.
"A companheira Marina se foi, a política ambiental continua", viajou. Que política? A que entrega imensidões territoriais aos índios de Roraima ou a que mata de desnutrição as tribos de Rondônia? A que combate a devastação no Pará ou a que não enxerga nem ouve as motosserras de Mato Grosso?
E quem será o pai da sigla sem mãe? Carlos Minc, que desconhece a Amazônia? Ou Mangabeira Unger, que finge conhecê-la? Talvez seja melhor deixar o PAS na orfandade. Serão bem maiores as chances de não acabar perdido na floresta.
Cabôco Perguntadô
Enquanto o olho direito do Cabôco vigia os preparativos olímpicos da cartolagem, o esquerdo vasculha os porões do Pan-2006. No momento, arregala-se com os R$ 106 mil pagos pelo Ministério do Esporte à Atos Origin em troca de um sistema de credenciamento que nunca existiu. O ministro Orlando Silva e o dono da empresa levaram o ouro na modalidade "gastança superfaturada" com o recorde espantoso. 16.000 %. Tremenda marca, admite o Cabôco. Ele só quer saber o que espera a Justiça para apurar se os campeões merecem o pódio ou a prisão.
Uma alma penada quer outra chance
Atormentado pela suspeita de que afastara do Ministério de Minas e Energia um companheiro sem culpas, o presidente Lula consolou-se até quarta-feira com a esperança de ver Silas Rondeau inocentado pela Justiça e reconduzi-lo ao cargo. Ele merece, suspirava. Merece é cadeia, corrige o Ministério Público Federal, que incluiu Rondeau na lista dos envolvidos no escândalo da Gautama. Dessa assombração Lula se livrou. Para dormir em paz, só falta a Justiça dar descanso à alma penada de Antonio Palocci, que segue gemendo por outra chance no ministério.
Mães extremosas mentem por amor
A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) montou um banco de dados sobre o PAC que promete infligir ao filho de Dilma Rousseff danos muito mais sérios que os causados a FH pelo dossiê que a mãe da sigla encomendou. Kátia já descobriu que o programa destinado a acelerar o crescimento do Brasil inclui obras inauguradas, outras rejuvenescidas por trocas de placas e construções abandonadas. Divulgadas a cada 15 dias, as informações da senadora provarão que Dilma, como ocorre a toda mãe extremosa, não precisa ser torturada para contar mentiras sobre o filho.
Yolhesman Crisbelles
O troféu vai nesta semana para o senador Cristovam Buarque, pelo palavrório costurado para defender a revisão do Tratado de Itaipu:
Não podemos negar ao Paraguai o direito de pedir o reajuste. Não podemos esnobar o Paraguai. Até porque temos uma dívida com esse nosso país vizinho, já que há 138 anos matamos 300 mil de seus cidadãos. Em proporção, seria como se matassem 9 milhões de brasileiros
Não, Cristovam não é um patriota paraguaio. É brasileiro de Pernambuco.
Ausências podem preencher lacunas
Concentrado nos prejuízos do Executivo com a partida da ministra Marina Silva, a imprensa não noticiou com o merecido destaque os lucros do Legislativo com a volta da senadora Marina Silva. Os ganhos começam com uma perda aparente: o suplente Sibá Machado, titular há mais de cinco anos, será devolvido ao Acre.
Sibá defendeu mensaleiros, sanguessugas e aloprados com tanta dedicação que só uma vez encontrou tempo para a família. Como o filho fora reprovado no vestibular, propôs que as vagas nas faculdades fossem distribuídas por sorteio.