Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

A tecnologia dos recordes no Pan-Americano do Rio

Próximo do limite

Mesmo sem as principais estrelas, o Pan do Rio reunirá
máquinas humanas em busca de novos recordes


Ronaldo Soares

Mark Baker/AP
Thiago Pereira: esperança de medalhas para o Brasil em sete provas da natação


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Quadro: Os segredos dos superatletas

O brasileiro Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico e cinco vezes recordista mundial no salto triplo, conseguiu, em 1955, seu feito máximo: a marca de 16,56 metros. Nos Jogos Pan-Americanos do Rio, que começam dentro de um mês, a estrela da modalidade deverá ser o paranaense Jadel Gregório, de 26 anos, que se tornou recordista sul-americano no mês passado ao saltar 17,90 metros. Note-se que 1,34 metro separa Adhemar e Jadel. Parece pouco, mas é uma enormidade. Mesmo para o atleta de elite, que com apenas três passadas se projeta 18 metros – o comprimento de uma quadra de vôlei oficial –, cada centímetro a mais exige um monumental esforço de desenvolvimento. Esse é o desafio no mundo dos recordes. Das 2.252 medalhas em disputa nos Jogos Pan-Americanos, 332 são de ouro. No entanto, não mais do que trinta recordes pan-americanos deverão ser batidos, segundo estimativa das principais confederações esportivas. Recordes mundiais? Muito improvável. O Pan-Americano é uma competição regional, com marcas inferiores às das Olimpíadas. Alguns países, como os Estados Unidos, dificilmente mandam para o Pan seus atletas número 1. Isso significa que é um evento sem importância? Não. Entre outros fatores, porque, em treze das 28 modalidades olímpicas, os resultados serão classificatórios para as Olimpíadas de Pequim. E também, como em qualquer encontro de grandes atletas, ali a superação será a estrela. É na capacidade de chegar aonde nenhum outro humano jamais chegou que reside a essência do esporte de alto nível.

Naquele instante – no milésimo de segundo, no milímetro alcançado – se concentram o esforço de aprimoramento ininterrupto, as descobertas de novos materiais esportivos e um vertiginoso empreendimento tecnológico. Recordes são resultado de uma conjunção de fatores, como aptidão, genética favorável, preparo psicológico e muita, muita tecnologia. Entre as novas técnicas de treinamento, está o uso de materiais que modulam as vibrações musculares e melhoram o desempenho durante a corrida. Há equipamentos para o registro fotográfico de cada movimento do atleta, para que seja minuciosamente comparado com o dos recordistas mundiais do momento. Avaliam-se o ângulo de um braço na entrada na água, a flexão de uma perna na hora do salto, a posição do tronco na arrancada dos 100 metros rasos. Tudo para corrigir imperfeições milimétricas de movimentos e revolucionar a fisiologia (veja quadro).

Carlos Silva/Imapress/AE
Jadel Gregório: movimentos precisos graças ao computador

Na natação não é diferente. Um dos favoritos a estabelecer novas marcas no Pan-Americano é Thiago Pereira, estrela maior da natação brasileira. Ele tem chance de medalha nas sete modalidades que vai disputar, e espera-se que leve o ouro em pelo menos três delas. Para tentar confirmar o favoritismo e faturar um recorde, ele incluiu em sua preparação uma etapa singular. Isolou-se durante três semanas em um centro de treinamento, na Espanha, localizado a mais de 2 300 metros de altitude. Ali, a pressão atmosférica é menor, o que exige maior esforço do atleta. O organismo então se condiciona a aumentar a quantidade de oxigênio que leva aos tecidos musculares. Isso reduz drasticamente a concentração de ácido láctico nos músculos. A conseqüência natural é a diminuição das dores, que podem ser lancinantes em atletas de ponta, e das náuseas. O corpo adquire maior resistência para a seqüência de provas. Maior fenômeno das piscinas atualmente, o americano Michael Phelps realiza esse tipo de treinamento duas ou três vezes por ano, para manter-se com uma taxa de ácido láctico de apenas 8 milimols (medida de molécula) por litro na corrente sanguínea. Aos 21 anos, já quebrou dezenove recordes mundiais e quatro olímpicos. Após três semanas de treinamento na altitude, Thiago conseguiu estabilizar-se entre 10 e 12 milimols por litro. Cada organismo reage de uma forma. "A pessoa pode treinar quanto for, mas, se não tiver uma predisposição genética, não adianta", diz a cardiologista Luciana Janot, do Instituto do Coração de São Paulo, que investiga a composição genética de atletas brasileiros de alto rendimento. Durante o Pan-Americano, ela coletará amostras dos atletas para o estudo que pode determinar o mapa dos genes ligados aos diferentes esportes.

A competição olímpica é o grande laboratório dos limites do corpo humano. Os Jogos Pan-Americanos também se prestam a esse papel, embora sejam uma competição de nível técnico inferior ao de Olimpíadas e campeonatos mundiais (veja quadro). É improvável que as principais estrelas do esporte no continente venham ao Brasil. No atletismo, por exemplo, os americanos do primeiro time dão preferência a outras competições, atraídos por prêmios em dinheiro e pela possibilidade de se consagrar na disputa com os melhores do mundo. Mas o Pan também tem vantagens para quem participa. Para jovens talentos é a oportunidade de se firmar no cenário de competições internacionais, concorrendo com adversários de bom nível, mais experientes. Nesse tipo de competição, dificilmente se alcança um recorde mundial, mas não é de todo impossível. Foi o que aconteceu com João Carlos de Oliveira, o João do Pulo. No Pan da Cidade do México, em 1975, ele estabeleceu a marca mundial do salto triplo com 17,89 metros. Seu feito se manteve imbatível por dez anos nas competições mundiais. E somente neste ano outro atleta das Américas (Jadel Gregório) conseguiu estabelecer um novo recorde sul-americano.

Giampiero Sposito/Reuters
Asafa Powell: o mais veloz do mundo


No universo dos superatletas, o tempo tem um significado diferente do que representa para o resto da humanidade. O homem mais rápido do mundo na atualidade, o jamaicano Asafa Powell, que não estará no Pan, corre 100 metros em 9s77. Mas ele é apenas um segundo mais veloz do que o primeiro atleta a bater o recorde da prova, em 1912: o americano Donald Lippincott. Powell alcançou a marca pela primeira vez em 2005, quase um século depois. Incontáveis atletas dedicaram a carreira a ampliar essa marca. Powell, com apenas um segundo à frente, é uma máquina poderosa. Para produzir atletas desse porte, o homem teve de saber como tirar proveito da natureza. Aqui, é preciso recorrer ao darwinismo. As formulações sobre o processo de seleção natural e a transmissão de características genéticas de uma geração para a outra ajudam a entender o surgimento de indivíduos com natural aptidão para as diferentes modalidades. No basquete, por exemplo, os jogadores são cada vez mais altos. Nos anos 70, a altura dos pivôs americanos rondava os 2,10 metros. Desde então, eles cresceram em média 4 centímetros por década e hoje estão na faixa dos 2,30 metros, enquanto no mesmo período a altura da população americana aumentou em média 0,4 centímetro por década.

O desafio do esporte nos próximos anos será conhecer o verdadeiro limite do corpo. O ser humano preponderou no planeta graças a um cérebro privilegiado, ao domínio da linguagem e a sua conseqüente capacidade de organização. Se dependesse apenas de seus músculos, não teria conseguido sobreviver à vida na floresta. Capaz de alcançar uma velocidade média de 36 quilômetros por hora, o homem é menos veloz até do que os elefantes, que chegam a 40 quilômetros por hora. Portanto, cada centímetro, cada segundo conquistado no mundo dos recordes foi um empreendimento fabuloso. Ocorre que estamos próximos do limite.

As projeções dos cientistas mostram que o homem está perto de chegar à fronteira final da capacidade do corpo. O recorde mundial do atletismo na prova de 800 metros masculino, de 1min41s11, está muito perto do tempo que se considera intransponível, de 1min40s. Já nos 1.500 metros feminino, esse limite já teria sido atingido: 3min50s46. "Chega uma hora em que, pelo padrão fisiológico e biomecânico do homem, se torna impossível bater recordes. Há um ponto em que o homem, sem recursos como implantes mecânicos, se torna limitado", diz João Paulo Dubas, coordenador do Laboratório de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É esse limite cada vez mais próximo que faz com que as competições, como a que está por vir, sejam oportunidades históricas de ver a máquina humana em ação.


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