Como o inglês Cameron Mackintosh se
tornou o mais influente produtor de musicais
Marcelo Marthe
Quando tinha 7 anos, o inglês Cameron Mackintosh foi levado à encenação de um musical em Londres. Ou melhor: foi arrastado, já que achava uma tolice toda aquela dança e cantoria. Contra suas expectativas, ele amou o que viu. "Fiquei deslumbrado e decidi na hora: quando crescesse, queria fazer musicais", diz. Eis aí uma vocação que poucos pais gostariam de encorajar no filho (de fato, foi a tia de Mackintosh que o levou ao teatro), mas o menino foi tenaz e conseguiu o que queria: hoje com 60 anos, é o maior produtor de musicais do mundo. Pense nas campeãs de audiência e longevidade da Broadway. Cats? Só se concretizou porque ele acreditou numa idéia que todos julgavam furada. O Fantasma da Ópera? Les Misérables? Lá estão as digitais dele de novo. Em 2001, uma montagem desta última em São Paulo marcou a volta das grandes atrações da Broadway ao país. Desde então, elas levaram aos teatros da cidade mais de 2 milhões de pessoas. Em julho, São Paulo receberá Miss Saigon, que também exibe a marca de "Mr. Producer", como ele é celebrado. "Tive a sorte de produzir espetáculos que emocionaram platéias numa escala planetária", disse Mackintosh a VEJA, por telefone, de sua casa no interior da Inglaterra.
Na virada dos anos 1970 para os 80, Mackintosh e seu conterrâneo, o compositor Andrew Lloyd Webber, reinventaram em parceria uma forma de entretenimento que era tida como geriátrica. Eles modernizaram os musicais e os elevaram à categoria de superproduções. Mas não só. Mackintosh idealizou uma indústria dos musicais, tal como se conhece hoje na Broadway ou no West End londrino. E imaginou um sistema de franquias que garante que um espetáculo seja exibido ao mesmo tempo em diversos países, com idêntico padrão de qualidade. Desde que estreou, em 1989, Miss Saigon – que transpõe para o cenário da Guerra do Vietnã o romance entre um militar americano e uma oriental celebrizado na ópera Madame Butterfly – foi vista por 33 milhões de pessoas em 246 cidades. Mackintosh é capaz de mantê-la em cartaz no Brasil e na Austrália simultaneamente, por exemplo.
Mackintosh é um perfeccionista. Embora as montagens no exterior fiquem a cargo das companhias que compram os direitos de encená-las, ele supervisiona todos os aspectos da produção, da seleção dos atores à publicidade do espetáculo. Desembarcará em São Paulo pouco antes da estréia de Miss Saigon, para dar sua aprovação. "Minha interferência é total", diz. Em Mary Poppins, sua produção mais recente, Mackintosh contribuiu com várias tiradas de humor. "Se não gosto de uma canção e ninguém aparece com coisa melhor, eu mesmo a reescrevo", afirma. O capitalista dos musicais vale-se ainda de outra tática: dispensa as divas. A presença de um nome conhecido pode ser, por si só, garantia de bilheteria. Em 2003, um musical causou sensação na Broadway pelo fato de o ator australiano Hugh Jackman exibir o tórax bombado em cena. "Esse tipo de coisa ajuda, é claro. Quem consegue resistir ao Hugh Jackman, com ou sem camisa?", diz Mackintosh. Mas ele prefere histórias que se sustentem, qualquer que seja o elenco. "Eu me abstenho de enfrentar os egos de gente famosa. Tive de aturar, no máximo, pessoas que se julgam estrelas, mas não são."
Embora seja um homem de bastidor, Mackintosh goza do status de celebridade na Inglaterra. Dono de uma cadeia de teatros em Londres, é um dos dez mais ricos do show biz inglês, com fortuna equivalente a 1,5 bilhão de reais. Trata-se de uma figura festejada no meio gay – do qual é expoente assumido. "Vivo há 25 anos com o mesmo homem", conta. O maridão é o fotógrafo especializado em musicais Michael Le Poer Trench (a imagem da versão inglesa de Miss Saigon que ilustra a reportagem é dele). Mackintosh circula também com desenvoltura nas rodas aristocráticas. Assim como o roqueiro Mick Jagger ou seu colega Lloyd Webber, ostenta um título de nobreza por serviços prestados ao Império Britânico (leia-se: trazer divisas do estrangeiro com seus espetáculos). Sir Mackintosh cultiva laços de amizade com a família real. O príncipe Charles e sua mulher, Camilla Parker Bowles, são assíduos em suas montagens. "Camilla é adorável", diz. Mas ele faz questão de se derramar é pela antiga rival dela: "A princesa Diana, sim, era uma grande fã de musicais". Mackintosh mora, por fim, no coração da rainha. Há dois anos, Elizabeth II o convocou para fazer uma sessão privê de Les Misérables no Castelo de Windsor. "Foi uma noite inesquecível", diz ele.