Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

Roberto Pompeu de Toledo


Invasão na USP:
questões centrais

Os invasores da reitoria sofrem de uma doída,
premente e incurável nostalgia da ditadura

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– Para que serve a invasão da reitoria da USP?

– Para ajudar os invasores a lidar com uma de suas grandes carências, a que chamaríamos de "síndrome de abstinência da ação revolucionária". Defesa da autonomia universitária, decretos espúrios do governador, reivindicações de alojamentos melhores, tudo isso é secundário. O básico, o decisivo, tão primordial quanto o impulso do bebê ao procurar o seio da mãe, é o desejo de dar combate a semelhante mal, doído como punhalada, exigente como a fome.

– Invadir reitoria não é pouco para preencher tal anseio?

– Pratica-se a ação revolucionária que se pode, não a que se quer. Sem praticá-la, o estudante brasileiro não terá completado sua educação sentimental. Mais tarde na vida ele poderá ocupar altas posições no sistema que hoje contesta ou mesmo ceder às ofertas de corrupção de que o país é pródigo, mas, condescendente consigo mesmo, sempre lembrará com um sorriso satisfeito os tempos de rebeldia. Como quem diz: "Sim, minha educação foi completa".

– O estudante brasileiro!?

– Perdão, a generalização não cabe. O estudante das faculdades particulares não é bobo de fazer greve, ele que empenha no estudo seu rico dinheirinho. Isso é para estudantes de universidades públicas. Mais propriamente, para os estudantes da USP. Mais propriamente ainda, para os de certas faculdades da USP, aquelas que, ao contrário da medicina ou da engenharia, não exigem tanto estudo assim, nem tanto compromisso com a carreira.

– Os invasores de reitoria têm nostalgia da ditadura?

– Sem dúvida. Eis uma conseqüência cruel – mais uma – da ditadura: temos de conviver com os nostálgicos dela. Há os nostálgicos porque acham que ela foi boa e os nostálgicos da luta contra ela. Ah, aqueles tempos em que se tinha uma causa... Em que a opressão era real, institucional, tangível... Bem que a polícia poderia ter ajudado, com uma operação de desocupação da reitoria. Não seria ainda a ditadura, mas uma ação de força, que com sorte produziria algum sangue. Até a semana passada, no entanto, as autoridades negavam tal gostinho aos invasores.

– Eles sofreriam por ter nascido na época errada?

– Sim. O invasor de reitorias é um nostálgico de uma vida não vivida. Os mais ardentes não se cansarão de lamentar a falta de um Palácio de Inverno a conquistar, uma Sierra Maestra da qual descer para o triunfo. Como um Julien Sorel, de O Vermelho e o Negro, que se julgava roubado por não lhe ser permitido repetir as proezas de Napoleão, ou uma Madame Bovary, consumida pela falta de amores tão arrebatadores quanto os que lia nos romances (que bom que existe a literatura francesa para nos explicar as sutilezas da vida), sofrem da frustração de viver não só na época, mas no lugar errado. Eles têm sede de heroísmo, num tempo de cansaço e desilusão com os heróis.

– Que é o "Movimento Estudantil" de que se fala nessas horas?

– Mistério. Sabe-se o que é o Movimento Negro ou o Movimento Feminino. Já o "Movimento Estudantil", dada a condição efêmera do estudante, em contraste com as condições de negro ou de mulher, que são permanentes, é difícil saber para onde se movimenta. Os estudantes filiados a partidecos de extrema esquerda pretendem movimentar-se em direção a regimes como o de Cuba ou o da Coréia do Norte, mas isso por força de seus partidos, não do "Movimento Estudantil". O papel mais fácil de distinguir no "Movimento Estudantil" é o de, com esse nome cheio de pompa e pretensão, ajudar na simulação da ação revolucionária.

– Os invasores da reitoria serão punidos?

– Nenhuma hipótese. Se há uma vantagem em viver no Brasil de hoje é a de poder brincar de rebelde sem o risco de levar troco. Neste Brasil tolerante ao ponto da permissividade, invasor de reitoria goza de tanta impunidade quanto senador que tem negócio escuso com empreiteira.

O senador Romero Jucá enviou ao colunista carta em resposta ao texto publicado nesta página na edição passada. A íntegra da carta, dada sua extensão, vai publicada em VEJA on-line (www.veja.com.br). O senador contesta, de modo convincente, a denúncia de que tem torneiras de ouro no banheiro de casa e a de que foi o campeão de emendas em favor de obras da empreiteira Gautama. O colunista se retrata, em relação a esses itens. As demais denúncias citadas, a despeito da defesa do missivista, compõem um repertório que continua a rondar-lhe os passos. No mais, o senador convida o colunista a visitar Roraima, "para constatar as realizações da prefeita Teresa Jucá" (sua esposa) e as dele próprio, quando governador (o colunista agradece, mas no momento tem outras prioridades de viagem), e afirma-se empenhado no "trabalho incansável de buscar soluções para os problemas nacionais", ele que, em vez de pular de partido e de fidelidades como macaco de galho, como afirmava o texto, o que faz é "servir ao meu país" (a pátria, quem sabe, um dia agradecerá).

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