Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 16, 2007

Piorou mais ainda: palestinos em guerra

Irmãos X irmãos

Inacreditável: agora são os palestinos que se matam
entre si. Pior ainda, quem ganha são os radicais do
Hamas, que desfecham guerra-relâmpago, assumem
o controle da Faixa de Gaza e anunciam governo islâmico


Diogo Schelp

Eyad Albaba/AP
BRIGA FRATRICIDA
Soldados do Hamas tomam o quartel da Segurança Preventiva, do Fatah, na Faixa de Gaza: vitória da violência tribal e da radicalização

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Oportunidades perdidas
Exclusivo on-line
Em Profundidade: A Questão Palestina

A Faixa de Gaza teve, na semana passada, seus dias de Iraque. À semelhança do cotidiano iraquiano de violência e culto à morte, em que os muçulmanos se matam entre si em nível muito mais letal do que o dirigido às forças de ocupação americana, os dois grupos palestinos que disputam o poder foram à guerra. Os confrontos fratricidas entre o Hamas, organização fundamentalista, e o Fatah, cuja origem remonta ao início da resistência a Israel, na época liderada por Yasser Arafat, fizeram 110 mortos e deixaram o mundo estarrecido com a insensatez disso tudo. Os palestinos já não sofrem horrores desde a criação do estado de Israel, com a perda progressiva de suas terras, as guerras malfadadas, a ocupação ou o cerco das forças israelenses? Pois nunca uma situação é tão ruim que não possa ficar mais insuportável ainda. A guerra-relâmpago foi desfechada pelo Hamas para conseguir o controle total sobre Gaza, a fatia de território onde tem mais influência. Em questão de dias, às vezes horas, as forças leais ao Fatah sumiram do mapa. Delegacias de polícia, repartições públicas e até o gabinete onde o presidente palestino, Mahmoud Abbas, deveria despachar em Gaza (mas onde havia muito tempo não era louco de ir) foram tomados, saqueados, incendiados e até implodidos. Abbas diagnosticou os acontecimentos como uma tentativa de golpe de estado e dissolveu uma das experiências políticas mais infelizes de todos os tempos, o governo de união nacional criado há três meses com o objetivo de conciliar os interesses conflitantes do partido do presidente, o Fatah, e do ex-primeiro-ministro Ismail Haniyeh, do Hamas. Um porta-voz do Hamas desdenhou o anúncio de Abbas e previu o início de uma nova era na Faixa de Gaza – a de um governo islâmico. Não é difícil imaginar como Israel reagirá às iniciativas que virão do que já foi apelidado de Hamastão.

Mohammed Salem/Reuters
CULTO À MORTE
O corpo de um soldado da Guarda Presidencial de Mahmoud Abbas, do Fatah, é carregado em Gaza: 110 mortos em uma semana e a percepção de que todo o Oriente Médio caminha para uma situação ainda mais conflituosa

Com Gaza sob controle do Hamas, a Palestina está na prática dividida em duas antes mesmo de conseguir se tornar um estado independente. O espantoso nível de violência entre, teoricamente, irmãos se encaixa na lógica tribal predominante. Para o Hamas, os integrantes do Fatah são traidores vendidos a Israel e aos Estados Unidos, merecedores portanto dos piores suplícios. O confronto final começou a ser escrito em janeiro do ano passado, quando o Hamas venceu as eleições parlamentares, teve direito a nomear o primeiro-ministro e criou uma situação diplomática insuportável. Como a comunidade internacional poderia se relacionar com um partido que prega oficialmente a destruição de Israel? Os Estados Unidos e os países europeus tentaram isolar e enfraquecer o grupo islâmico. Como ele estava no poder, a Autoridade Palestina como um todo foi afetada. A estratégia de suspender a ajuda internacional e o repasse de impostos recolhidos pelo governo israelense acabou tendo o efeito inverso. O Hamas fortaleceu-se com o boicote porque os palestinos atribuem não ao partido islâmico, mas aos governos estrangeiros, a deterioração geral dos já penosos serviços públicos. Para piorar, Abbas, o homem com quem dá para negociar, saiu mais enfraquecido ainda em virtude de um boicote que pretendia atingir seus adversários.

O golpe do Hamas em Gaza vem sendo planejado há tempos. Em janeiro houve a primeira tentativa, contornada por intervenção direta da Arábia Saudita. Agora, a situação degringolou, com atrocidades que só garantem a perpetuação da violência. Um exemplo: o cozinheiro da Guarda Presidencial de Abbas foi jogado pela janela de um prédio de quinze andares, com as mãos e os pés amarrados, na Cidade de Gaza. Em resposta, um clérigo ligado ao Hamas foi executado da mesma maneira por militantes do Fatah. "A Faixa de Gaza pode se transformar em um novo sul do Líbano, com um grupo terrorista dominando o território e lançando ataques contra Israel", disse a VEJA o cientista político libanês Fawaz Gerges, do Sarah Lawrence College, em Nova York. Nada pior para o processo de paz no Oriente Médio. Em visita à Cisjordânia e a Israel, a reportagem de VEJA encontrou os sinais da desesperança que tem dominado israelenses e palestinos, especialmente os jovens, em relação ao conflito. O resultado está nas páginas a seguir.


Oportunidades perdidas

Nas vidas paralelas de israelenses e palestinos,
todos se esforçam para ter um cotidiano normal –
apesar da ocupação e do medo de ataques –, mas
poucos se dão ao luxo de sonhar com o fim do conflito


Diogo Schelp, de Ramallah
Fotos de Pisco Del Gaiso

VIDA SOB OCUPAÇÃO
Alunas da Universidade Birzeit, na Cisjordânia: 85% dos palestinos nasceram depois da guerra de 1967

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Irmãos X irmãos

Em uma manhã ensolarada de sexta-feira, um soldado israelense observa a fronteira com a Faixa de Gaza. Sua missão é defender a cidade israelense de Sderot, a apenas 5 quilômetros de Gaza, de ataques palestinos. Não há muito que ele possa fazer. Com freqüência o soldado vê qassams, mísseis caseiros fabricados pelos palestinos com pólvora e tubulações de ferro, voando sobre sua cabeça. Só na semana passada, onze qassams atingiram Sderot – mesmo em plena guerra interna, os mísseis continuaram caindo. "Não deveríamos nunca ter saído de Gaza", diz o militar, exaltado. "Para mim, esse é o início de uma tragédia equivalente a enviar o meu povo de volta aos campos de concentração nazistas de Buchenwald e Auschwitz." Dias antes, em um restaurante de Ramallah, na Cisjordânia, um jovem palestino expõe uma visão de mundo que bem poderia ser usada pelo soldado de Sderot para confirmar seus temores. "O que foi tomado pela força só pode ser recuperado pela força", diz Thaer, 25 anos, militante no grupo terrorista de esquerda Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). "O sucesso do Hezbollah na guerra do Líbano, no ano passado, provou que guerrilheiros treinados podem derrotar o invencível exército israelense", acrescenta Thaer, usando uma premissa falsa (as forças israelenses não foram derrotadas) para confirmar uma percepção verdadeira (só de não terem saído vitoriosas, já perderam).

Os dois jovens inimigos anônimos, que obviamente não se conhecem, representam os extremos de um conflito que, em sua configuração atual, completou quarenta anos: o ciclo de ocupação e violência iniciado com a Guerra dos Seis Dias entre Israel e os países árabes vizinhos, em maio de 1967. O soldado de Sderot e o militante da FPLP têm em comum a total descrença na possibilidade de uma solução para o semipermanente estado de beligerância na região. Os fatos citados por ambos são representativos disso. Entre a desocupação de Gaza e a guerra no Líbano há um intervalo de apenas um ano. A retirada da Faixa de Gaza, que terminou com 38 anos de ocupação israelense nesse território árabe, ocorreu em agosto de 2005 e na época foi um espanto: o então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, que permanece em estado de coma em decorrência de um derrame sofrido cinco meses depois, parecia abrir uma porta inesperada que, mesmo se não fosse essa a sua intenção, acabaria levando finalmente à criação de um Estado independente para os palestinos. Israelenses como o soldado citado no início desta reportagem foram contra. Achavam que Israel estava cedendo uma posição importante sem negociar nada em troca e que Gaza se tornaria um foco pior ainda de radicalismo. Os fatos das últimas semanas falam por si. Já a guerra entre Israel e o Hezbollah, grupo xiita radical do Líbano, em julho do ano passado, acrescentou um novo complicador a um problema já infernal: a idéia de que é possível obter uma vitória militar sobre Israel, a qual será enfrentada com a brutalidade habitual. Todos os envolvidos, por sinal, preparam-se para uma nova guerra.

MÚSICA DOS OUTROS
Garçonete de bar em Tel-Aviv dança ao ritmo de uma canção árabe: pequenos atos de resistência à cultura do ódio

Hoje, as perspectivas de paz entre árabes e israelenses parecem ter chegado a níveis mais desanimadores do que o usual. Na Faixa de Gaza, a Autoridade Palestina não só fracassou em administrar o território após a saída dos israelenses ali instalados em assentamentos e dos militares que lhes garantiam a sobrevivência em terra inimiga, como foi incapaz de controlar as lutas fratricidas entre facções do Hamas e do Fatah. Tanto do lado israelense quanto do palestino, há governos fracos, sem autoridade para reiniciar negociações. O primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, tem uma popularidade mísera, inferior a 3%; o presidente palestino, Mahmoud Abbas, está sofrendo uma humilhação estrondosa com a vitória do Hamas sobre suas forças em Gaza. Engolfado no atoleiro do Iraque, o governo americano, a quem caberia a responsabilidade de arrastar os adversários rumo a um acordo, fez muito pouco, e tarde demais.

O absurdo do conflito árabe-israelense é que todas as pessoas de bom senso sabem qual é a solução. Israel tem de devolver a Cisjordânia aos palestinos e engolir uma solução para Jerusalém, cidade que proclama como sua capital eterna e indivisível, embora continue a ter uma população árabe resistente a todas as tentativas de anexação. Do lado palestino, o mais sofrido é admitir que os refugiados expulsos desde a primeira partilha, em 1947, não terão o direito de retorno garantido a seus locais de origem hoje em território de Israel – foi por isso que Yasser Arafat refugou a maior oportunidade de um acordo que já houve, em 2000, sob os auspícios do então presidente Bill Clinton. A convicção de que a culpa é sempre do outro lado, o que remonta às origens do estado judeu ("Para onde iríamos depois do genocídio de 6 milhões de nós?", pergunta um lado; "Por que nós tivemos de pagar por isso?", refuta o outro), criou uma sensação de vitimização que parece intransponível. Na Palestina, isso se tornou uma forma de pensamento único. Entre os israelenses, a diversidade de opiniões é um pouco maior. Alguns jovens, por exemplo, terminam o serviço militar obrigatório convencidos de que, não fosse a ocupação de terras palestinas por Israel, eles poderiam se sentir seguros em seu país. Infelizmente, não é tão simples.

Em todas as ocasiões em que israelenses e palestinos estiveram perto de resolver suas diferenças, isso aconteceu em encontros diplomáticos em que os acordos em discussão previam concessões simultâneas de ambos os lados. Foi assim em 1993, em Oslo, quando Israel concordou em transferir gradualmente partes dos territórios ocupados para o controle de Yasser Arafat, que, em troca, reiterou a renúncia ao propósito de, como até hoje desejam os radicais, varrer o estado judeu para o mar. A posterior ampliação dos assentamentos judeus na Cisjordânia e atentados terroristas cometidos por palestinos contrários aos acordos puseram tudo a perder. O assassinato de Yitzhak Rabin, por um fundamentalista judeu, tirou de cena o garantidor do processo. Outra chance desperdiçada foi a eleição de Mahmoud Abbas à Presidência palestina, em 2005, após a morte de Arafat. Abbas é um político pragmático que naquele momento ainda não enfrentava toda a fúria do Hamas. Sharon saiu de Gaza, mas se recusou a negociar com ele.

A seqüência de oportunidades perdidas é regida por um paradoxo: cada fracasso deu novos argumentos para um lado culpar o outro, mas também ajudou a cristalizar a certeza de que só a divisão em dois estados pode trazer a paz. "A grande questão é saber como tirar israelenses e palestinos da inércia atual e fazê-los se movimentar em direção a um acordo", diz o historiador Ron Pundak, diretor-geral do Centro Peres para Paz, em Tel-Aviv. Para otimistas como Pundak, há oportunidades positivas no momento atual. A primeira é a disposição dos países da Liga Árabe em admitir a existência de Israel e apoiar um acordo realista. A segunda é o benefício que a paz em Israel traria para a política externa americana. "Para pacificar o Iraque, os Estados Unidos terão primeiro de estabilizar o Oriente Médio, e isso é impossível sem solucionar o conflito em Israel", diz outro adepto dessa linha, Yossi Beilin, um dos articuladores dos acordos de Oslo.

Enquanto isso não acontece, a inércia e a desesperança vão lançando raízes definitivas nos dois lados, especialmente entre os jovens criados na desconfiança e no ódio. Nos territórios palestinos, 85% da população nasceu depois de 1967, quando Israel tomou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza durante a Guerra dos Seis Dias. Ou seja, a totalidade dos jovens palestinos não conhece outra realidade que não viver sob a ocupação israelense. Exatamente por isso, as pesquisas de opinião mostram que os palestinos entre 18 e 25 anos formam a faixa etária mais hostil a Israel. O tormento da ocupação infiltra-se nos atos mais banais, alimentando a cultura da intolerância e da violência. Para ir de uma cidade a outra, quase sempre é preciso passar por uma das 500 barreiras militares colocadas pelo Exército israelense na Cisjordânia. Todo palestino tem uma história de humilhação sofrida em uma dessas barreiras. O nível de desemprego é de 24%, mas as melhores oportunidades de trabalho para os jovens estão do outro lado do muro que separa o território palestino do israelense, construído a partir de 2002. Surpreende que, nessas condições de penúria, tantos adolescentes de Ramallah tenham seus próprios carros. Simples: são todos roubados (por ladrões israelenses que os revendem na Cisjordânia). Os jovens palestinos costumam admitir com orgulho que rodam em um carro roubado de Israel.

Do lado israelense, os dilemas dos jovens são outros. Eles vivem num país democrático, em condições econômicas incomparáveis, e não sofrem da mesma falta de perspectivas dos palestinos. A angústia diária decorre da paranóia com a segurança. Os jovens israelenses estão acostumados a avaliar, quase automaticamente, se estão seguros contra atentados toda vez que entram em um lugar público com aglomeração de pessoas. Uma maneira de lidar com a situação é ignorar solenemente o perigo, como fazem alguns donos de bares que se recusam a revistar os clientes. Há também uma tendência crescente dos jovens judeus de se distanciar das tensões religiosas que envolvem o conflito com os palestinos. As mudanças populacionais em Jerusalém, o grande alvo de atentados, são uma amostra disso. "Os recém-formados e os casais sem filhos estão deixando a cidade para morar em outros lugares, com melhores opções de trabalho e custo de vida mais baixo", diz Mordechay Levi, assessor para assuntos religiosos da prefeitura de Jerusalém. Resultado: a população de judeus não religiosos na cidade diminuiu e a de ortodoxos e de muçulmanos aumentou. Hoje, cada um desses grupos representa um terço da população de Jerusalém (em 1967, quando Israel tomou a parte árabe da cidade, os muçulmanos formavam apenas um quarto dos habitantes).

Da mesma forma que em Jerusalém, a população muçulmana de Israel tem aumentado a uma taxa superior à dos judeus. Um quarto dos cidadãos do país é de árabes. Apesar do passaporte israelense, eles se identificam como palestinos, o que cria contradições impensáveis em outros países. "Minha prima foi morta por um míssil lançado pelo Hezbollah contra Israel durante a guerra do Líbano", diz Amal Abass, de 30 anos, assistente social árabe-israelense, de Jerusalém. "Foi um conflito pessoal muito grande porque, ao mesmo tempo que simpatizo com o Hezbollah, como moradora de Israel eu quero me sentir segura." Os árabes-israelenses ressentem-se de ser lembrados a cada instante que são estrangeiros em seu próprio país. Apesar de terem na teoria os mesmos direitos dos judeus, a prática é outra: entre os 7 000 empregados da prefeitura de Jerusalém, por exemplo, apenas 1 000 são árabes. Quase todos vacilam, no entanto, diante da pergunta sobre o que fariam se o estado palestino fosse finalmente criado. Continuar fazendo parte de uma minoria em Israel é a resposta que prevalece.

Uma das características dos territórios ocupados que mais assustam os árabes-israelenses ainda não tomados pela radicalização é o crescimento do fundamentalismo religioso. Na vida privada, isso se reflete nas mulheres que apenas recentemente começaram a usar o véu. Na política, a ascensão islâmica é representada pela vitória do Hamas, em janeiro do ano passado, nas eleições para o Parlamento palestino e agora pela vitória militar em Gaza. "A explicação para isso é o fracasso de governos laicos em resolver os problemas cotidianos da população", diz Said Zeedani, professor de filosofia da Universidade Birzeit, na Cisjordânia. Na Palestina, assim como no Egito e no Líbano, os grupos islâmicos ocuparam o espaço deixado pelas ideologias de esquerda, que naufragaram junto com a União Soviética no início da década de 90. Na Cisjordânia, muitos palestinos cristãos também votaram no Hamas, mesmo sabendo que a agenda do grupo inclui implantar um estado islâmico. "Se houver um referendo e os palestinos escolherem viver sob a lei islâmica, isso terá de ser aceito pelo resto do mundo, porque assim é a democracia", diz Sameer Abu-Eisheh, ministro do Planejamento da Autoridade Palestina. A idéia de que um dos preceitos da democracia é a garantia dos direitos das minorias inexiste. Na prática, nem foi preciso o tal plebiscito: ao tomar Gaza, o Hamas demonstrou que o fundamentalismo está no poder. Em se tratando de Israel e Palestina, existe sempre a certeza de que a situação pode piorar mais um pouco.

AS PASSARELAS

A imigração russa mudou o perfil e a economia da sociedade israelense nos últimos quinze anos. Entre os engenheiros e os técnicos das empresas de alta tecnologia de Israel, por exemplo, 60% vieram da ex-república soviética. Em algumas agências de modelo de Tel-Aviv, 40% das garotas têm ascendência russa. Natali Niv nasceu em Odessa, na Ucrânia, e mudou-se com os pais, aos 10 anos de idade, para Israel. "Se você quer emigrar para Israel, é só descobrir que tem uma avó judia", diz a jovem, que só reclama do serviço militar obrigatório. "Perdi dois anos no Exército, inutilmente, em uma fase da vida que costuma ser o auge na carreira de uma modelo", queixa-se Natali, que está com 26 anos e só agora vai começar a fazer faculdade de biotecnologia, como sempre sonhou.

NAMORO NO LUGAR DE POLÍTICA

Weam Bassam Mussleh, estudante de administração de 19 anos, está enjoado de Ramallah. "Não há nada para fazer aqui, mas é difícil sair da cidade e quase impossível ir a Israel", diz o jovem palestino, que encontra seus amigos todos os dias para jogar bilhar. Num ambiente em que o conflito ocupa todos os espaços, Weam não quer saber de política e aspira a uma "vida normal". Está namorando uma garota que conheceu na internet. "Tudo tem de ser muito discreto, porque não há sequer beijos em público", diz. O rapaz faz parte da parcela moderna da juventude muçulmana da Cisjordânia. "Você não vê turmas mistas de rapazes e garotas saindo à noite, por exemplo, o que é uma besteira", reclama.

A PROTETORA DAS CRIANÇAS

Na Cidade Velha de Jerusalém, o que não falta são excursões de colégio para visitar o bairro judeu, todas protegidas por guardas particulares armados com fuzis. O objetivo é defender as crianças de um possível atentado. A guarda Sima Amsalem, de 22 anos, costuma acompanhar grupos escolares de uma pequena cidade israelense chamada Ashdod. "Para receber a licença para trabalhar como segurança, basta ter servido o Exército, como é meu caso", diz Sima, que está no segundo ano da faculdade de direito e porta o fuzil como se fosse uma bolsa de grife. "Eu poderia ganhar mais fazendo outra coisa, mas gosto muito desse trabalho." Para ela, é quase um dever cívico. Sima não tem dúvida de que seria capaz de evitar sozinha um ataque terrorista.

O NERD DO RADICALISMO

Há alguns meses, a chapa dos militantes islâmicos venceu as eleições para o grêmio estudantil da Universidade Berzeit, a principal da Cisjordânia. Mohammad Al-Hajjah, de 22 anos, é o representante do Hamas na chapa. Estudante do 4º ano de jornalismo e ciências políticas, ele está sendo treinado para integrar o que se costuma chamar de "elite intelectual" dos grupos islâmicos. Outros jovens recebem a incumbência de pegar em armas ou se tornar mártires em atentados suicidas. Mohammad é de uma família muito religiosa e conservadora de Ramallah. "Cresci nas mesquitas", conta o militante. "A luta armada é a única maneira de libertar a Palestina, e não reconhecer o direito do estado de Israel de existir faz parte dessa estratégia."

CADA UM COM A SUA VIDA

Nascida no vilarejo de Musmus, no norte de Israel, a árabe-israelense Maisaa Igbaria, de 25 anos, mudou-se para Jerusalém para estudar pedagogia na Universidade Hebraica. Ela teve dificuldade de encontrar um apartamento para alugar na cidade. "Os proprietários judeus não queriam me ter como inquilina porque sou muçulmana", diz Maisaa. "Por essas e outras, sinto-me sob ocupação israelense tanto quanto um palestino que vive na Cisjordânia." Apesar de sua sala de aula ter 80% de alunos judeus, a universitária tem poucos amigos que não sejam árabes. "Se eu e um judeu nos tornarmos amigos, teremos um problema: ele não vai querer me levar a bares judeus e eu não vou querer levá-lo a lugares árabes", diz Maisaa.

DECEPÇÃO COM OS VIZINHOS ÁRABES

Em todo lugar em que entra, o israelense Roy Mill, de 26 anos, imediatamente passa a analisar a possibilidade de um atentado terrorista. "Só o fato de pensar nisso o tempo todo já mostra quanto somos loucos", diz Roy. Ele acreditava que havia uma solução para o conflito com os palestinos até o Hamas ser eleito, no ano passado. "Até então, eu achava que os palestinos, como nós, queriam a paz. Hoje, sou mais pessimista", afirma o estudante de economia da Universidade Hebraica. Roy, como outros jovens israelenses, só veio a ter um contato mais próximo com árabes na universidade. Durante a infância, os bairros e as escolas são completamente separados.

"Vivemos mesmo em uma sociedade dividida", diz Roy.


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