Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 10, 2007

Pecados históricos, pecados sociais

Pedro S. Malan

Luiz Inácio Lula da Silva disputou cinco eleições presidenciais. Perdeu três e ganhou as duas últimas. É claro que o ganho recente é melhor que a perda passada (principalmente quando se aprende algo no processo, como foi o caso). Mas em política - como em economia - o que realmente importa são as expectativas quanto ao futuro. No caso da política, e em democracias, as possibilidades de manter o poder, ou de a este chegar pelas as urnas.

Para muitos, Lula está agora claramente jogando, em termos de disputas presidenciais, ao menos para o empate em algum momento futuro. Os mais afoitos de sua grei gostariam que pudesse ser já em 2010. O presidente deixa a entender que não teria problema em esperar até 2014. O importante agora - legítima pretensão - seria fazer seu próprio sucessor daqui a três anos e pouco. O nosso presidente parece confiante em que saberá conduzir este processo como nunca antes se fez na história deste país.

O fato é que o lulismo, como fenômeno político, é hoje muito maior e mais relevante para este processo que o PT e o petismo, que lhe vêm a reboque. Dúvidas que porventura existissem a esse respeito foram suprimidas pelo método de montagem não só dos 36 ou 37 Ministérios, como também pelo processo, ainda em curso, de loteamento dos cargos de segundo e terceiro escalões da administração federal entre membros do amplo espectro dos partidos que constituem a chamada “base de sustentação política” do governo. Todos os ungidos gratos ao presidente, no sentido da máxima de La Rochefoucauld sobre a “gratidão como a expectativa de novos favores”.

Três anos parecem muito. Na verdade, são pouco para a magnitude do desafio que se coloca tanto para o lulismo, em processo de mudança desde 2003, quanto para a oposição democrática, ambos procurando evitar o que Hobsbawm chamou “os dois pecados capitais da história: o anacronismo e o provincianismo”. Ambos pecados muito bem representados pelos neopopulismos que vêm renascendo na América Latina - onde sempre encontraram solo fértil para seu vicejar.

A variante brasileira de neopopulismo, ao menos na sua versão lulista, não tem uma perspectiva autoritária, e não há sinais de que o Brasil possa caminhar (como alguns vizinhos) para um regime autoritário. A nossa variante tem aquilo que o historiador mexicano Enrique Krause chamou de “uma natureza perversamente moderada ou provisória; alimenta sem cessar a promessa de um futuro melhor... posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica... adormece e degrada o espírito público”. As esperanças de boa parte da população se voltam para a figura do pai e líder, do guia e mestre, do timoneiro, daquele que não tem dúvidas sobre o que fez, faz e fará.

Este fenômeno tem profundas raízes no Brasil. O clássico de Sérgio Buarque de Holanda ainda retém, passados mais de 70 anos, relevante atualidade: “Na tão malsinada primazia das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva revela-se nitidamente o predomínio do elemento emotivo sobre o racional... Podemos organizar campanhas, formar facções, armar motins, se preciso for, em torno de uma idéia nobre.” Ninguém ignora, porém, que o aparente triunfo de um princípio jamais significou no Brasil - como no resto da América Latina - mais do que o triunfo de um personalismo sobre outro.

De fato, para a maioria dos que mantêm interesse pela política no Brasil, a questão eleitoral em 2010 será decidida por personalismos: quem será o candidato escolhido por Lula e quem será o seu opositor principal - aquele que disputará com um mínimo de chances de efetivamente contestar o lulismo após seus oito anos.

É certo que, ao fim e ao cabo, os eleitores votam em pessoas - nas promessas que estas fazem e à luz de seus próprios interesses -, e não em conceitos, generalidades e chavões por todos repetidos.

Mas os termos em que se dará o debate público mais sério e responsável são relevantes para o amadurecimento político e econômico do País.

O Brasil está num momento promissor para este debate. Porque experimenta desde 2003 um contexto internacional extraordinariamente favorável, do qual soube tirar aproveito, mas que não durará para sempre. Porque seguiu política macroeconômica não-petista, que rendeu um grande capital político ao presidente Lula. Porque o governo atual recebeu uma herança benigna de mudanças estruturais, avanços institucionais e programas sociais, que procurou preservar, consolidar e ampliar. A reeleição de Lula se deveu a este conjunto de fatores - além de seus dotes pessoais.

É fundamental agora aprofundar o entendimento público sobre os desafios a enfrentar, que continuam inúmeros, por meio de uma discussão não-ideológica sobre políticas públicas concretas que sejam as mais eficazes para tratar de objetivos hoje largamente compartilhados e que não constituem monopólio de ninguém... Há posições de certas ditas esquerdas que são anacrônicas e provincianas. Assim como há posições de certas ditas direitas que são modernizantes e não-provincianas. E vice-versa. Há que pensar, estudar, ler, debater e fugir da banalidade do rótulo que tanto mal nos causou.

Mas, como ensinou Confúcio, é penoso discutir quando não há acordo sobre certos princípios básicos ou sobre os grandes objetivos a alcançar. Nosso presidente acaba de voltar da Índia. Lá foi exposto aos “sete pecados sociais”, tal como listados por Mahatma Gandhi e hoje inscritos no mármore do seu túmulo. Vale relembrá-los, pensando no Brasil de 2007. Seríamos, em princípio, um país muito melhor se pudéssemos evitar os sete pecados: política sem princípios, riqueza sem trabalho, prazer sem consciência, educação sem caráter, negócios sem moral, ciência sem humanidade, religião sem sacrifício.

Mas, como notou Hipócrates mais de 2 mil anos atrás, “a vida é curta, a arte é longa; a ocasião, fugidia; a esperança, falaz. E o julgamento, difícil.”

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda
no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br

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