Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 20, 2007

Separações que dão certo

Os novos códigos da separação

Descasados que brigam na Justiça são coisa de outro tempo. Hoje, a regra é manter relações cordiais com o ex para ficar próximo dos filhos


Rosana Zakabi

Fotos Lailson dos Santos
AMIGOS DE NOVO
Após uma separação turbulenta, a funcionária pública paulista Rosana Sol e o ex-marido, Luiz Carlos, mal podiam se ver. Hoje, são amigos e conversam sobre as filhas, Caroline, 17 anos, e Estela, 12, embora evitem a convivência muito próxima. "Quero que as meninas tenham certeza de que somos felizes separados", afirma Rosana



A separação conjugal já foi um drama para os brasileiros. Até vinte anos atrás, descasados eram vítimas de preconceito e seus filhos, hostilizados pelos colegas e até recusados em escolas. Hoje, as separações tornaram-se corriqueiras. Ninguém mais fica malfalado por romper uma união. Uma pesquisa do IBGE divulgada há dois meses mostra que o número de divórcios no Brasil aumentou 52% nos últimos dez anos, contra um crescimento de 14% da população. Divorciar-se também ficou mais fácil. Há duas semanas, entrou em vigor uma lei permitindo a oficialização do divórcio em cartórios, sem a intervenção da Justiça, para casais sem filhos menores ou incapazes. À medida que a sociedade se tornou complacente com as separações, surgiu um novo código de conduta entre os casais separados. Hoje, em vez de eternizar a briga, boa parte dos descasados procura estabelecer a chamada separação bem-sucedida – em nome, principalmente, dos filhos. Separação bem-sucedida significa continuar a participar do dia-a-dia das crianças. Se o pai, por exemplo, tinha o hábito de pegá-las na escola duas vezes por semana, continua a fazê-lo. Dessa forma, evita-se despertar nos filhos o temor – que às vezes se transforma em terror – de que um dos pais os abandone para sempre.

Vários estudos mostram que as crianças cujos pais se divorciaram mas se mantêm próximos a elas, aparentando tranqüilidade, superam melhor e com mais rapidez o choque causado pela separação. Uma pesquisa da socióloga americana Constance Ahrons, professora da Universidade da Califórnia do Sul e autora do livro We're Still Family (Nós Ainda Somos Família), concluiu que, quando os pais continuam presentes na vida das crianças mesmo após o divórcio, elas não apenas se sentem mais seguras como acabam por compreender a situação e apoiar a decisão do casal. Separação bem-sucedida, portanto, também significa manter uma relação cordial e sensata com o ex-cônjuge em tudo o que diz respeito aos filhos – e não expô-los a discussões e brigas que lhes causem aflição ou os façam sentir-se culpados pela situação. Gina Alvarenga, engenheira no Rio Grande do Norte, casou e descasou duas vezes com o mesmo homem e viu de perto essa situação. "Na primeira vez em que me separei, meu ex-marido se afastou da família e meus filhos ficaram muito abalados. Na segunda vez conseguimos ficar amigos e o desgaste foi muito menor", relata ela.

PARQUE E SHOPPING CENTER
A recepcionista Luciana Orsatte e o agente de segurança Claudio Bortolotto romperam há um ano, mas ainda fazem programas juntos, como ir ao parque, ao teatro e ao shopping center, por causa do filho, Daniel, de 2 anos. "Decidimos guardar apenas o que ficou de bom da relação, pois teremos de conviver para sempre", diz ela

Embora os novos códigos da separação sejam hoje um fenômeno mundial, no caso do Brasil a demografia também ajuda a explicar seu surgimento. O divórcio foi estabelecido no país em 1977 e foi se tornando comum na década seguinte. Muitos pais que hoje têm filhos em idade escolar sentiram na carne a dor pela separação litigiosa de seus pais e foram testemunhas – e às vezes também pivôs – de brigas ferozes entre eles. Esses pais não querem que seus filhos passem pelas mesmas situações. A própria Justiça hoje colabora com a separação bem-sucedida. Até poucos anos atrás, nos processos judiciais que decidem a quem cabe a guarda das crianças ou como será dividido o patrimônio, a prioridade dos juízes consistia em definir quem era o culpado pelo fim do casamento para submetê-lo às exigências do parceiro. "A tendência hoje não é apontar culpados, mas incentivar o casal a chegar a um consenso sobre a partilha dos bens e a guarda dos filhos", diz o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Nos últimos cinco anos, alguns tribunais brasileiros adotaram o chamado sistema de mediação, em que o juiz define um mediador, geralmente um advogado, para ajudar o casal a entrar em acordo e manter uma separação amistosa.

Os especialistas fazem um único alerta acerca das separações em que os descasados continuam a manter relações freqüentes em nome dos filhos: é preciso não confundir cordialidade com intimidade. "Se os pais se encontram quase diariamente e se relacionam como na época em que estavam juntos, as crianças ficam confusas e passam a acreditar na reconciliação do casal", afirma a psicóloga Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Em conseqüência disso, elas rejeitam os novos namorados dos pais", ela completa. O professor de educação física mineiro Eder Lima é separado e tem dois filhos, de 13 e 8 anos. Ele conta que está sempre em contato com a ex-mulher, mas evita sair com ela e as crianças. "Isso poderia criar expectativas de que um dia podemos retomar a relação", justifica. Estipular limites para a convivência com o ex-parceiro é uma maneira de os filhos, os familiares e o próprio casal se acostumarem com a idéia da separação. Outro conselho dos especialistas é nunca excluir o novo parceiro dos eventos familiares. "Nessas situações, é o namorado que deve ser percebido como companhia, e não o ex", alerta a psicóloga americana Lauren Solotar, chefe do Instituto May, em Massachusetts, e especialista no assunto.

A escalada vertiginosa dos divórcios e das separações, assim como a nova forma de lidar com as crianças das uniões desfeitas, é resultado das profundas transformações que o casamento sofreu nas últimas décadas. Até há pouco tempo, casar-se significava assumir uma responsabilidade social e familiar para o resto da vida. Hoje o casamento é visto como uma forma de busca da felicidade individual. "As pessoas só se casam ou continuam casadas se houver alguma compensação pessoal", diz a socióloga Lourdes Bandeira, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, segundo ela, as relações estão cada vez mais rápidas e, conseqüentemente, descartáveis. "Não existe mais o conceito de que casamento precisa durar para sempre", afirma Lourdes. A psicóloga americana Judith Wallerstein, autora do best-seller The Good Marriage (O Bom Casamento), explica essa nova percepção do casamento à luz dos valores da sociedade. "No passado, instituições como a lei, a tradição, a religião e a ascendência paterna eram muito mais fortes do que as ameaças ao casamento, como a infidelidade, a violência doméstica, as dificuldades financeiras ou a reversão de expectativas. Hoje, a balança mudou de lado", ela escreve. "Pela primeira vez na história, a decisão de permanecer casado ou se separar é puramente voluntária."

AJUDA DA TERAPIA
A publicitária paulista Rita Almeida, 46 anos, separou-se duas vezes e tem dois filhos, um de cada marido – Paulo, 23 anos (na foto, com a namorada), e Gabriela, 12. Na segunda separação, ela e o parceiro buscaram a ajuda de uma terapeuta. "Foi fundamental para saber como manter a amizade em nome de nossa filha", diz Rita

A ascensão das mulheres ao mercado de trabalho, em condições iguais às dos homens, também é apontada como uma das causas do maior número de divórcios. Antes, a maioria absoluta das esposas dependia financeiramente do marido. Hoje, as mulheres conquistaram sua independência e, conseqüentemente, o direito a escolher o próprio destino. Uma pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, coordenada pelo economista Marcelo Neri, conclui que, no Brasil, quanto maior o poder aquisitivo das mulheres, mais elas tomam a iniciativa de se separar se o casamento não vai bem. "Como não dependem financeiramente do marido, as mulheres não continuam casadas se a relação não for prazerosa", afirma Neri. A análise feita pelo IBGE sobre os números de sua pesquisa recente conclui que existe uma relação estatística direta entre o aumento no número de divórcios e o crescente ingresso das mulheres no mercado de trabalho. A independência financeira feminina, segundo o instituto, tem contribuído para a dissolução das uniões. De acordo com os especialistas em demografia, a tendência é que o número de divórcios e separações continue a crescer no Brasil nos próximos dez anos. Cada vez mais descasados terão de se empenhar em separações bem-sucedidas em nome do bem-estar dos filhos.

Com reportagem de Érica Chaves

Arquivo do blog