Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 14, 2007

Só mago tem fórmula para o crescimento do país, diz Joaquim Levy


MÁRIO MAGALHÃES
PEDRO SOARES

DA SUCURSAL DO RIO

Joaquim Vieira Ferreira Levy, 45, é herói ou vilão, a depender do olhar. Para os entusiastas dos mecanismos de controle que estabilizaram a economia nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), trata-se de um técnico com talento raro de gestor público e exterminador de desperdícios. Para quem não gosta, inclusive ex-colegas do primeiro mandato de Lula, Levy encarna políticas que sufocaram o Brasil e o condenaram ao fim da fila do crescimento das nações emergentes.
Levy e sua tesoura estão de volta ao país, após temporada em Washington, onde ocupava desde abril a vice-presidência de Finanças e Administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
À frente da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio, Levy falou à Folha na quinta-feira sobre o país. Sustenta que "só um mago poderia dizer "tenho uma varinha de condão" [para o crescimento]". O secretário apontou tabelas que mostram a disparada das despesas estaduais em 2006 com pessoal e custeio. E lamentou a não-confirmação da previsão do governo Rosinha Matheus para o de Sérgio Cabral (ambos do PMDB), de receita de mais de R$ 6 bilhões de royalties de petróleo em 2007.
Descarta reivindicar nova negociação da dívida do Estado com a União. Elogia as condições atuais -definidas quando representava o governo federal- e afirma que renegociar "é um não-assunto".
Levy ocupou cargos de destaque na Fazenda e no Planejamento nos anos FHC. Simbolizou a permanência da política econômica com Lula. Até o início de 2006 chefiou o Tesouro.
Apontando para título do caderno "Dinheiro" da Folha ("Dilma vence, e superávit será reduzido"), observou com satisfação que foi cumprida a meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) de 2006. "Quando me perguntaram, em 29 de março, se [o sucessor de Antonio Palocci, Guido] Mantega iria cumprir a meta, falei que iria e muito bem.
Acharam que era gozação. Está aí." Sobre a queda da meta de 2007, Levy diz que a mudança -à qual já se opôs- exige mexer na Lei de Diretrizes Orçamentárias: "Para mudar a meta, tem que se reportar à LDO, senão é descumprir [a lei]".

FOLHA - Quais os problemas herdados pelo novo governo do Rio?
JOAQUIM LEVY
- Meu ângulo é diferente. Conheço mais do futuro que do passado. Não farei julgamentos do passado. A gente tem que se dar conta do potencial do Rio. Não é para estar dando errado. Para isso a gente precisa do que chamo de binômio segurança física e segurança de negócios. Aqui a gente vai cuidar de estabelecer um clima de segurança de negócios, previsibilidade, aquelas coisas. Não mudei o disco tanto assim.

FOLHA - Mudou em alguma coisa?
LEVY
- Por exemplo: esse negócio "Dilma vence" e vai usar o PPI [Projeto Piloto de Investimentos, com gastos para obras de grande retorno econômico]. Sem falsa modéstia, quem inventou o PPI? [Foram] o dr. Palocci e o seu interlocutor aqui. Antes do PPI, quem inventou os R$ 3 bilhões para saneamento, demanda do presidente Lula? A conta do saneamento do governo do presidente Lula deve estar em R$ 7 bilhões. Nem tudo foi gasto porque, depois que você diz "vamos fazer e tal", depois que põe o dinheiro na mão, até o cara fazer o projeto demora. Problema de investimento não é tanto falta de dinheiro. É fazer acontecer. Quero fazer ajuste fiscal para acabar com a despoluição da baía de Guanabara.

FOLHA - Isso implica corte de gastos sociais?
LEVY
- Estamos analisando quais gastos cortar. Na saúde não há falta de gente nem de dinheiro. Não faltam médicos no Rio. Gastos com materiais aumentaram em R$ 300 milhões.

FOLHA - Em abril do ano passado a então governadora anunciou que as obras do complexo do Maracanã para o Pan-2007 custariam R$ 71 milhões. A conta está em R$ 232 milhões. Por que esse tipo de estouro ainda ocorre?
LEVY
- Gosto de ter clareza dos custos das coisas no começo. Na Inglaterra, isso também acontecia. Daí, eles inventaram a PPP [parceria público-privada] em que, se fica mais caro, o setor privado é que paga.

FOLHA - O sr. e o governador Cabral falaram dos riscos de não honrar os pagamento do funcionalismo em janeiro. O Estado pagou. Vocês não exageraram, para marcar uma diferença com o governo Rosinha?
LEVY
- Não diria que a gente tenha exagerado os riscos. O que ficou um pouco mais controvertido é em relação ao que havia ficado de caixa.

FOLHA - Sua saída do governo já estava decidida antes do episódio do caseiro, que levou à queda do ministro da Fazenda. Palocci faz falta?
LEVY
- O ministro é uma pessoa extremamente equilibrada. Resistiu a pressões muito fortes, de várias origens. Uso uma frase de propaganda: muita gente acredita que ele fez muito pelo Brasil e fará mais ainda. Era da campanha a deputado.

FOLHA - Em março do ano passado o sr. disse que a meta de 4,25% de superávit primário era algo consolidado no governo. Agora, a meta cai para 3,75%. O que significa?
LEVY
- Até onde sei, no Orçamento, na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], não houve mudanças. Você quer que eu construa em cima de uma especulação, de um projeto que não tenho a menor idéia do que é. Não tenho como dizer se vai aumentar o PPI, se não vai. Para aumentar, tem que mudar a LDO. A LDO determina uma meta para este ano. O governo vai mudar a meta da LDO? Para mudar a meta tem que se reportar à LDO. Se não, está descumprindo. A discussão assim está estival.

FOLHA - Seria, como querem os "desenvolvimentistas", o início do fim da "era Palocci'?
LEVY
- Desenvolvimentista também sou. Esse é outro episódio estival extinto pelo presidente. O presidente decidiu em 2003 que iria garantir a estabilidade dessa economia, que não iria entrar em crash. [Diz-se] "ah, ele se elegeu por causa do Bolsa Família". Se tivesse inflação alta, se tivesse crise, poderia ter o Bolsa Família que quisesse. Não ia ter feito a menor diferença.

FOLHA - O sr. votou em Lula?
LEVY
- Eu estava nos Estados Unidos. Quando fui já era tarde para me registrar.

FOLHA - Teria votado nele?
LEVY
- O presidente Lula certamente fez um governo de grande apoio popular.

FOLHA - O Brasil cresce menos que os demais emergentes. Lula disse que só um "bando de mágicos" encontraria mecanismos para a economia crescer mais. O sr. concorda?
LEVY
- A gente poderia crescer melhor no Rio de Janeiro. O binômio de segurança econômica e segurança física é importante. O negócio é criar oportunidades. No país, a agenda legislativa parou depois de 2004. Foram aprovar a abertura do IRB [Instituto de Resseguros do Brasil] no final do governo. A gente tem um projeto de agências reguladoras na gaveta desde o ano de 2004.

FOLHA - Que outros problemas entravam o crescimento?
LEVY
- Eu elaboraria um pouco o pensamento do presidente: só um mago pode dizer que tem uma fórmula para o crescimento. É uma combinação de coisas. Só um mago poderia dizer "eu tenho uma varinha de condão". Parte da estratégia econômica foi que você tem que tomar uma série de iniciativas de cortar os custos. Em particular no Rio, tem que criar um incentivo para investir. Não vamos esquecer: investimento público é importante, mas é um fermentozinho da massa. Só cresce se tiver investimento privado, pequeno e grande. Digamos que a gente queira sair de 20% para 20 e poucos por cento de investimento. Desses 20%, mesmo contando [empresa] estatal, o investimento público vai ser 4%, 5% do PIB.

FOLHA - Esse modelo é para sempre? O Brasil está fadado a crescer menos que os outros?
LEVY
- Óbvio que não. Acho que a gente tem que crescer 4,5%, 5%. Dá para crescer. Em 2007 não sei. Como alvo não tem nada demais. Mas tem que fazer escolhas. Tem que contar com livre iniciativa e concorrência. Na Índia, quem cresce? Um bando de empreendedores. Mesmo na China, são os empreendedores.

FOLHA - Há quase um ano o sr. anunciou que o governo leiloaria a concessão aos bancos que atendem os aposentados, o que ainda não ocorreu. No Rio, o Itaú herdou a folha do funcionalismo ao incorporar o Banerj. Projeta-se leiloar a folha?
LEVY
- Em 2005 isso foi renovado. Tem que analisar direitinho. Estados há e houve em que, em vez de fazer um leilão, entra-se em um acordo em que há trocas, benefícios e apoios. A questão é se prefere alguma coisa mais transparente ou algum tipo de acordo. O governador tem falado mais na direção de leilão. O governador é muito transparente.

FOLHA - O sr. cita empecilhos do Estado à livre iniciativa. Na sua opinião, Estado sempre atrapalha?
LEVY
- Não. O Estado é essencial. É muito difícil ter economia funcionando sem ter Estado ou com Estado demais. Tem que armar o bom equilíbrio. Facilitar a abertura de empresa é fundamental. Porque, senão todos querem ficar em certo tamanho, e não crescer. No Brasil está cheio de firma interessante. O cara cresce até um certo momento, está confortável, parou ali. Nos Estados Unidos o cara quer virar Starbucks. Aqui, se conseguir sete ou oito estabelecimentos, badala em Ipanema; em São Paulo, aparece na revista como sendo um bacana, e pronto.

FOLHA - O sr. considera o brasileiro acomodado?
LEVY
- Os obstáculos também são grandes. São obstáculos do Estado.

FOLHA - O sr. voltou para ganhar R$ 9.540 como secretário de Fazenda. O sr. é um homem público, não se importaria de dizer quanto recebia na vice-presidência do BID. Seriam mais de US$ 20 mil mensais?
LEVY
- Era uma remuneração compatível com um alto dirigente de uma empresa internacional. Com a diferença que não paga impostos.

FOLHA - O que o fez voltar, para ganhar menos e pagar IR?
LEVY
- Tenho algumas convicções em relação ao que o Rio pode ser. Tem a história do "reclama, reclama, reclama". Apareceu uma oportunidade [de fazer]. O governador tem um compromisso político.

FOLHA - O sr. veio então pelo espírito público e o projeto de governo?
LEVY
- Teria outro motivo?

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