Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 13, 2007

A prisão dos líderes da Igreja Renascer

Dólar até na Bíblia

Casal da Renascer é preso
nos Estados Unidos por ocultar
dinheiro na bagagem


Marcelo Carneiro

O "apóstolo" Estevam, algemado, no aeroporto
de Miami: 56 000 dólares escondidos na bagagem

Habituados aos ares de Miami, onde têm casa, os líderes da Renascer, Sonia e Estevam Hernandes, estão passando uma temporada diferente nos Estados Unidos desta vez. No lugar de desfrutar o conforto de sua residência – comprada há seis anos por 465.000 dólares e localizada em um condomínio de luxo no bairro de Boca Raton –, a auto-intitulada bispa e o auto-nomeado apóstolo passaram a semana no Federal Detention Center, complexo prisional localizado no centro de Miami que abriga presos acusados de cometer delitos federais. O casal foi detido na madrugada da última terça-feira, vindo da primeira classe de um vôo que partiu de São Paulo. Acompanhados de dois filhos e três netos, traziam 56.000 dólares escondidos em uma mala, uma mochila, um porta-CDs e um exemplar da Bíblia. Foram detidos sob a acusação de ter cometido dois crimes: inserção de declaração falsa em documento público e lavagem de dinheiro (pela legislação americana, a entrada de quantias não declaradas no país é um dos delitos que caracterizam o crime). Por esse último crime, pagaram 100.000 dólares cada um de fiança. Foi o primeiro delito, no entanto, o da falsa notificação, que levou a dupla para trás das grades, sem direito a fiança.

Helvio Romero/AE


Sonia e Hernandes estão em celas separadas. A bispa divide a sua com apenas uma presa, a quem cabe o andar de cima do beliche. Além da cama, há na cela uma pia e um vaso sanitário. Os chuveiros são coletivos. Ao acordar, Sonia recebe um café-da-manhã composto de cereais, mingau, café e suco. No almoço, é servida uma carne acompanhada de vegetais e, de sobremesa, frutas. O jantar repete o cardápio do almoço, acrescido de sopa. Durante o dia, os presos estão autorizados a circular por uma área livre do complexo. A bispa, assim como seu marido, é obrigada a usar o uniforme da prisão: calça comprida e camiseta na cor cáqui. O Federal Detention Center, um prédio de dezessete andares, abriga 1.500 presos, entre os quais um terrorista acusado de ter ligações com a Al Qaeda e membros mafiosos da família Gambino, uma das mais antigas dos Estados Unidos. Também já ficaram detidos lá integrantes do cartel de Cali, que comanda o narcotráfico na Colômbia.

A prisão de Sonia e Estevam Hernandes é o mais duro golpe sofrido até hoje pela Renascer. A igreja – que desde 2002 vem sendo investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo – é um dos expoentes brasileiros da chamada teologia da prosperidade. O movimento nasceu na década de 40 nos Estados Unidos de um ramo pentecostal que pregava a crença fervorosa na intervenção divina, que se revelaria por meio da cura de doenças graves, por exemplo. "A partir dos anos 50, com o surgimento dos telepastores, esse grupo começou a enfatizar também a obtenção de bens materiais e financeiros por meio da oração", explica Ricardo Mariano, doutor em sociologia pela USP. No Brasil e no resto do mundo, a teologia da prosperidade (o termo foi cunhado por críticos do movimento) começou a ganhar força a partir dos anos 70. A Renascer, com 1.500 templos, é a terceira maior igreja do gênero no Brasil.

A operação que resultou na prisão de seus líderes foi uma bem-sucedida parceria entre o Gaeco e autoridades americanas. Todos os passos de Estevam e Sonia no Brasil vinham sendo monitorados pelo Ministério Público. Na semana passada, assim que o casal pisou em solo americano, o FBI, que também investiga a igreja nos Estados Unidos, foi alertado. Logo depois do anúncio da detenção, o Gaeco reapresentou à Justiça de São Paulo um segundo pedido de prisão preventiva contra os dois (o primeiro havia sido revogado pelo STJ). Na quarta-feira passada, a prisão foi decretada e o MP entrou com um pedido de extradição do casal junto à Justiça americana. Se o pedido for acatado, Sonia e Estevam serão enviados para o Brasil e seguirão direto para um presídio (partindo do princípio de que a ordem de prisão concedida pela Justiça brasileira será mantida). Os Estados Unidos também podem negar o pedido de extradição, com base no argumento de que o casal responde a processos em território americano. Nesse caso, Sonia e Estevam deverão permanecer presos lá até o julgamento. Em qualquer das hipóteses, o casal ficará fora de combate por um bom tempo. Com os dois longe do púlpito – e dos negócios –, o império da Renascer corre sério risco.

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