Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 10, 2007

O Rubicão de Chávez


EDITORIAL
Folha de S. Paulo
10/1/2007

Não cabe ao Brasil imiscuir-se em assuntos internos da Venezuela; distanciar-se de Chávez, porém, é um imperativo

O PRESIDENTE Hugo Chávez vai dissolvendo as poucas dúvidas que ainda restam acerca de seu pendor autoritário. Pôs-se agora em marcha batida para fazer da Venezuela a segunda ditadura das Américas -se o regime cubano sobreviver até lá.
A estatização dos setores de telefonia e eletricidade, anunciada com pompa como ato inaugural do terceiro mandato, não é o que mais preocupa na agenda "socialista" de Chávez. Usar fundos públicos para indenizar empresas privadas e submeter a prestação de serviços à costumeira ineficiência empresarial do Estado é apenas uma opção obsoleta.
Supõe-se, evidentemente, que o chavismo não lance mão do confisco de bens, o que seria um esbulho contra empresas venezuelanas e estrangeiras. Supõe-se, também, que não se valha do monopólio na telefonia para censurar a internet, como ocorre na China, no Irã e em Cuba.
Não é preciso saber que forma tomarão as estatizações, no entanto, para temer pelo futuro da democracia na Venezuela. Quando requer poderes para ditar "leis revolucionárias" por decreto, quando pleiteia a reeleição ilimitada e quando revoga por razão ideológica a concessão de um canal de TV (ameaçando fazer o mesmo com os outros grupos de oposição), Chávez atinge direitos civis e políticos fundamentais.
A Organização dos Estados Americanos é regida por uma cláusula democrática -outrora apenas retórica, mas que foi reafirmada em 2001 pelos países-membros. Assegurar as liberdades da democracia é condição para integrar a entidade. O secretário-geral da associação, o chileno Jose Insulza, zelava pela carta da OEA quando manifestou estranheza diante da não-renovação da licença de funcionamento da mais antiga rede de rádio e TV venezuelana.
Insulza foi tratado com impropérios por Chávez, que agora está em campanha pela substituição do secretário-geral. Na empreitada, o líder venezuelano fará pressão sobre o Mercosul para que o bloco embarque em sua investida contra Jose Insulza.
Surge nova oportunidade para o Brasil reformar a sua diplomacia em relação a Chávez. Não basta o Itamaraty moderar o venezuelano nos bastidores. Brasília deveria manifestar solidariedade ao dirigente da OEA, atacado com brutalidade por um chefe de Estado associado. Deveria, em nome da cláusula democrática que também vigora no Mercosul, transmitir a Chávez preocupação com os rumos de seu regime.
Hugo Chávez, é bom frisar, não foi consagrado pelas urnas nas eleições de dezembro. Quase 40% dos eleitores votaram contra estender seu mandato até 2013. A oposição não dispõe de uma quantidade proporcional de assentos no Congresso porque cometeu o erro de boicotar o pleito legislativo de 2005 -para não mencionar a sua desastrosa e injustificável opção pelo golpismo três anos antes.
Não cabe ao Brasil tomar atitude que configure ingerência em assuntos internos da Venezuela. Mas devemos manter distância diplomática de um governo vizinho prestes a cruzar o Rubicão rumo à ditadura.

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