Devagar, quase parando...
O segundo mandato do presidente
Lula começa sem equipe ministerial
e em ritmo de férias
Otávio Cabral
Laycer Thomas
O presidente Lula e o vice, José Alencar, sobem a rampa do Planalto: o poder aliena
Um bom resumo da posse de Lula em seu segundo e último mandato como presidente da República: ele saiu do Palácio, embarcou em um Rolls-Royce, passou em revista as tropas, anunciou que vai tirar dez dias de férias em uma praia exclusiva para onde seguirá a bordo de seu Airbus particular e de um helicóptero – ah, claro, aproveitou para criticar as elites. É caricatural, mas é verdadeiro. Brasília e o poder alienam. Por se julgar exercido em nome do resgate dos miseráveis, por se julgar o ápice da evolução política, por se julgar acima das leis, o poder petista aliena completamente.
A cerimônia em si foi esvaziada pela chuva e pela ausência de decisões, anúncios ou compromissos profundos para os próximos quatro anos. Lula não apresentou seu ministério e continua governando com um grupo de interinos e demissionários. Não apresentou novos projetos, mas apenas uma idéia vaga de um plano com o qual pretende fazer a economia crescer nos próximos meses. Tampouco deu pistas de quais são as prioridades de seu governo. Ainda sob efeito da inércia que marcou o final do primeiro mandato, o presidente e seus principais assessores decidiram sair de férias. Lula embarcou na sexta-feira para uma base do Exército no Guarujá, litoral de São Paulo, onde fica dez dias descansando com a família. Dos 31 ministros, treze decidiram seguir o chefe, inclusive o da Fazenda, Guido Mantega, responsável pela elaboração do projeto que pretende catapultar a economia com uma canetada. O segundo governo começa, de fato, apenas em fevereiro. Até lá, mesmo para os que não pretendem sair de férias, há pouco que fazer. Os ministros interinos sabem que não têm autonomia para tomar decisões. Os que têm, como Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, já anunciaram que vão sair do governo – e, portanto, não seria prudente implementar qualquer medida. E o próprio presidente Lula não parece muito disposto a enfrentar questões administrativas. O governo começou devagar, quase parando.
Ed Ferreira/AE
Arlindo Chinaglia e Aldo Rebelo: a história se repete
Embora tenha mantido a rotina dos despachos diários no Palácio do Planalto, Lula, segundo alguns assessores, já assumiu em clima de férias. Ministros e pessoas próximas ao presidente relatam que é difícil conseguir discutir com ele algum assunto relevante. Na semana passada, um ministro, que pediu para não ter seu nome revelado, reuniu-se com Lula no Palácio do Planalto para discutir detalhes de um projeto importante que receberá investimentos superiores a 1 bilhão de reais nos próximos quatro anos. Sem saber como proceder, perguntou ao chefe se continuaria no cargo. "Isso aí a gente vê quando eu voltar de férias", respondeu o presidente. O ministro insistiu que, para viabilizar o projeto, era preciso tomar decisões imediatas que teriam reflexo na gestão de um eventual substituto. Lula não respondeu. O ministro, entendendo que recebera sinal verde, perguntou quando deveria iniciar o projeto bilionário. "Vai tocando, vai tocando...", orientou Lula. Márcio Thomaz Bastos também viveu situação semelhante. Embora se encontre diariamente com o presidente, não conseguiu reunir-se a sós com ele para definir o nome de seu sucessor nem o do futuro chefe da Polícia Federal, missão que recebeu do próprio Lula. O ministro também tentou, sem sucesso, marcar uma reunião entre o presidente e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, para antecipar um projeto conjunto de combate ao crime organizado. Sem perspectiva, Thomaz Bastos decidiu seguir o exemplo do chefe e saiu de férias por dez dias.
Tasso Marcelo/AE
Guido Mantega: descansando no Guarujá
"Lula não terminou o primeiro mandato nem começou o segundo. A única mudança visível entre os dois mandatos foi a substituição do José Alencar pela dona Marisa dentro do carro oficial no desfile de posse", diz Octaciano Nogueira, cientista político, da Universidade de Brasília. O governo está paralisado por uma série de razões. Uma delas é o próprio isolamento do presidente. Sem equipe e com seu partido corroído por denúncias de corrupção, Lula aposta em um governo de coalizão, em que os cargos serão distribuídos de acordo com o tamanho do apoio que cada aliado oferecer no Congresso. O primeiro teste vai ser a eleição para a presidência da Câmara. O novo ministério só será anunciado depois da proclamação do resultado. Há, por enquanto, dois deputados aliados na disputa, que ocorre em 1º de fevereiro: o atual presidente, Aldo Rebelo, do PCdoB, e o líder do governo, Arlindo Chinaglia, do PT. Na quarta-feira passada, Lula recebeu os dois separadamente no Planalto. Recomendou a ambos que não transformem a disputa em uma guerra que coloque em risco a governabilidade, mas, como sempre, evitou demonstrar qual deles é seu preferido, embora tenha dado sinais a interlocutores de que Aldo lhe agrada mais. Outra vez, sua indecisão não ajudou a resolver o impasse.
Pouco antes de embarcar para as férias no Guarujá, na sexta-feira, Lula mandou um recado a seus ministros. Solicitou a alguns que, dentro do possível, permanecessem em Brasília durante sua ausência. O motivo é a necessidade de colocar para andar um certo Programa de Aceleração do Crescimento, batizado de PAC, sigla criada pelos marqueteiros oficiais para nomear um amontoado de boas intenções. Por enquanto é algo tão subjetivo que poderia ser chamado de qualquer coisa, como, por exemplo, CAP – crescimento acelerado por planos –, ou mesmo APC – aceleração planificada do crescimento. São apenas maneiras distintas de dizer coisa nenhuma, fazer menos ainda e correr para a praia.
Entrevista:O Estado inteligente
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