As notícias sobre as acusações do presidente Lula ao antecessor Fernando Henrique, ao sancionar a Lei do Saneamento Básico, na semana passada, destacaram, como era de esperar, o descumprimento da recente promessa do presidente de que, no segundo mandato, limitaria as suas comparações com o passado ao seu primeiro período de governo. Decerto todos os políticos se desdizem. A diferença é que Lula o faz com exacerbada freqüência pelo simples motivo de que, apreciando como poucos o som da própria voz, fala muitas vezes antes de pensar - e depois passa a borracha no improviso, ao se dar conta da impropriedade proferida. Assim foi para o arquivo morto, por exemplo, a sua previsão fantasiosa de que o PIB crescerá 5% este ano, omitida no discurso de posse.
Mas, pior do que a recaída de Lula na compulsão de falar mal do presidente cuja imagem ele procura obsessivamente apequenar, foram os termos que acompanharam a acusação. "Temos que trabalhar o dobro do que trabalhamos no governo passado", apregoou, "para que a gente possa, ao longo do tempo, se recuperar da irresponsabilidade implantada neste país na área de saneamento básico". A se levar tais palavras ao pé da letra, a reação só pode ser de pessimismo. Dado que no último quadriênio Lula só trabalhou para valer no projeto da sua reeleição, a referência à faina redobrada remete de imediato à aritmética, que ensina que o dobro de zero é zero. Exagero? O governo passado andou o pouco que andou não por causa, mas apesar do presidente - absorvido demais pela tarefa de falar para ter tempo de governar. E, na área do saneamento, não saiu do lugar.
Lula não tem apetite para administrar, quando isso requer, e requer quase sempre, a leitura de documentos ao mesmo tempo indispensáveis para a tomada de decisões com conhecimento de causa. É sabido também que, ao chamar um ministro para conversar, evita a hora de entrar de vez no assunto que motivou o chamado. Não menos notória é a sua impaciência com a engenharia política, que requer freqüentemente ouvir mais do que falar e dizer não com ar de quem diz sim. As derrotas que o seu primeiro governo colecionou no Congresso têm a sua principal explicação no vazio de liderança aberto por Lula. O seu comportamento diante da disputa de dois aliados pela presidência da Câmara já desconcertou mais de um interlocutor.
Em pelo menos uma ocasião, ele teve de reconhecer que tropeçou nos cadarços ao não mostrar firmeza no apoio ao seu preferido, Aldo Rebelo, do PC do B, contestado pelo petista Arlindo Chinaglia - e depois, ao querer forçar um acordo pelo qual um deles abdicaria da pretensão. A eleição se dará em 1º de fevereiro. E Lula já fez saber que só em seguida tratará do novo Ministério. Agora se noticia que esse em seguida não terá a pressa com que o presidente se comprometeu no discurso de posse. A demarragem do novo Gabinete, ao que se informa, ficou para o dia 15. Mas não convém fiar-se na nova data: o carnaval começa daí a 48 horas. Se isso é o que Lula entende por pressa, talvez seja melhor não perguntar o que entende por "ousadia, coragem e criatividade" para "desatar os nós" do País.
Por enquanto, o presidente limita-se a se queixar em público de seus auxiliares. Além de, na semana passada, ter culpado alguns deles pelo fato de as casas populares que inaugurou em março passado em Lauro de Freitas, na Bahia, serem "uma vergonha", reclamando que desde setembro vem pedindo providências para mudar o tamanho-padrão dessas habitações e ainda não foi atendido, manifestou sua irritação com membros da equipe econômica que não teriam sido suficientemente "criativos" nas primeiras propostas que lhe apresentaram para destravar a economia. O propalado pacote desenvolvimentista, por sinal, só será conhecido depois dos 10 dias de férias de que o presidente desfruta numa base do Exército, no Guarujá.
Como se vê, não há motivos para esperar iniciativas verdadeiramente transformadoras no chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo porque o primeiro governo Lula não lembrou que o crescimento acelerado e sustentado depende, no Brasil, da modernização das instituições, a começar por medidas ousadas, corajosas e criativas contra a vexaminosa indigência da educação.