O que mais chama atenção no acidente nas obras da Linha 4 do Metrô de São Paulo, além do drama das famílias das vítimas fatais, é a confusão sobre as implicações jurídicas da tragédia. Muito se falou a respeito de falhas nos editais de licitação e nos contratos assinados com o consórcio responsável pela obra. Também houve quem classificasse as Parcerias Público-Privadas (PPPs) como “contratos leoninos” e questionasse os critérios para indenização das famílias das vítimas e ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos proprietários dos imóveis comprometidos.
Essa confusão resulta do desconhecimento da legislação por parte de comunicadores, que vêm explorando a tragédia para aumentar a audiência, e do enviesamento ideológico daqueles que pretendem extrair dividendos políticos do acidente. Deputados da oposição, promotores açodados e sindicalistas pediram a abertura de uma CPI, propuseram a suspensão das obras da Linha 4 e denunciaram uma “união insólita dos gigantes da construção civil” para afastar o Estado do controle do setor de infra-estrutura. As críticas, contudo, são no mínimo açodadas, quando não infundadas. No caso da PPP firmada pelo governo estadual com base na Lei 11.079, que instituiu essa modalidade de negócio, ela se circunscreve à operação da Linha 4, envolvendo a compra de vagões e sua exploração comercial após o término da obra. Evidentemente, como ocorre em qualquer concessão de serviço público, ao tomar posse da Linha 4 o consórcio vencedor terá de fiscalizar o acabamento das estações e as instalações eletroeletrônicas, antes de começar a explorá-la. O contrato para a construção das estações e instalação dos trilhos da Linha 4 foi assinado pelo governo e pelo consórcio de empreiteiras com base na Lei de Licitações. A lei entrou em vigor em 1993 e sua aplicação é fiscalizada sem problemas pelos Tribunais de Contas.
Portanto, são dois contratos distintos, elaborados com base em leis distintas e concebidos para a execução de tarefas distintas. Por uma questão de lógica, além disso, o contrato relativo à PPP até agora nem chegou a ser colocado em prática, pois só pode ser executado após a conclusão das obras da Linha 4. Não procedem, assim, as críticas de alguns promotores que afirmaram ter o consórcio vencedor da licitação para a operação da Linha 4 a obrigação de fiscalizar a construção.
Outra confusão gira em torno da identificação de quem poderá ser responsabilizado pela tragédia. Antes mesmo dos peritos do Instituto de Criminalística e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas começarem as investigações sobre as causas do acidente, das quais dependerá a apuração de possíveis imperícias ou omissões das empreiteiras, além de negligências e demora injustificada das autoridades após terem sido informadas do desabamento, alguns promotores e sindicalistas colocaram sob suspeição o modelo de “preço global” para a construção da Linha 4, pelo qual o consórcio vencedor tem autonomia na condução do projeto, alegando que isso impediria o governo de controlar o andamento da obra. É outra falácia.
Quem tem um mínimo de conhecimento de direito constitucional e administrativo sabe que, embora a responsabilidade direta por acidentes seja das empreiteiras, o poder público não pode abdicar de suas obrigações fiscalizadoras. Por isso, tanto as empreiteiras quanto o governo estadual terão de responder, juntamente com a seguradora contratada, pelos danos materiais e morais causados pelo acidente. Eles poderão discutir entre si quem arcará com o prejuízo, dependendo do resultado dos laudos e perícias, mas a questão não interfere nas indenizações a que as vítimas e suas famílias têm direito. O pagamento, contudo, pode demorar, por causa da lentidão dos tribunais e porque os indenizados podem questionar os valores a serem recebidos.
O princípio da responsabilidade objetiva foi introduzido no País no século passado e é consagrado pelo Código Civil. Segundo o artigo 927, “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implica (...) risco para os direitos de outrem”. Evidentemente, o dispositivo se aplica aos contratos firmados para a Linha 4. Infelizmente, em vez de esclarecer a opinião pública chocada com essa tragédia, a conjunção de desinformação jurídica com enviesamento ideológico e oportunismo político só ajuda a confundi-la ainda mais.