Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Míriam Leitão - Riscos do bloco


Panorama Econômico
O Globo
19/1/2007

O ministro Celso Amorim acha que se o Mercosul for analisado apenas do ponto de vista do comércio não será entendido. É também "geopolítico". O ministro acredita que é normal que haja conflitos e disputas dentro do bloco e não teme o fator Hugo Chávez, porque, para ele, o Brasil é que pode influenciar a Venezuela, e não o contrário. Celso Amorim acha que não, mas o Mercosul acumulou um enorme volume de contradições.

- O Mercosul não é um projeto só economicista; temos interesse geopolítico na estabilidade da América do Sul. O Brasil tem que ter relações fortes com seus vizinhos. Temos dez vizinhos na América do Sul. Por isso, tratamos o Mercosul não exclusivamente sob o ângulo comercial, embora ele tenha sido muito bem sucedido sob esse ângulo, mas também tratamos sob um ângulo político. Acho que, se não virmos o Mercosul sob esse ângulo, não vamos entender nada - disse.

Sobre Chávez, Celso Amorim defendeu, em entrevista ao "Bom dia Brasil", que é melhor tê-lo no grupo que tentar isolá-lo.

- O engajamento é melhor que o isolamento. Sem falar que, confiando nas instituições brasileiras, é mais fácil o Brasil influenciar a Venezuela que vice-versa.

As instituições brasileiras são fortes o suficiente para não se deixarem influenciar pelo projeto autoritário de Hugo Chávez, mas é improvável que o Brasil - ou algum país ou instituição no planeta - influencie Chávez. Ele sabe aonde quer ir: para bem longe da democracia e da diversidade de opiniões.

A estabilidade da região e dos nossos vizinhos tem sido a prudente preocupação da política externa brasileira desde sempre, mas o problema é que o projeto de Hugo Chávez é desestabilizador em si. Ele não se limita às próprias fronteiras e quer repetir seu modelo na Bolívia e no Equador. "Pelos termos da Alba, Associação Bolivariana, a Venezuela tem poderes até para entrar no território boliviano em caso de conflito", informa um embaixador brasileiro. Isso sem falar na cláusula democrática do Mercosul, que exigiria dele mais respeito às instituições do país.

A Venezuela é um bom parceiro do Brasil e, ontem mesmo, o ministro lembrou que, dos US$4 bilhões da corrente de comércio, US$3,5 bilhões são de exportações brasileiras. A questão é como incentivar a integração econômica num país onde o poder é cada vez mais monolítico. Em países onde não há um equilíbrio de forças, o império da lei, uma imprensa livre e Congresso independente, não há também garantia para parceiros comerciais e investidores.

O projeto estatista de Chávez e Evo Morales cria mais um dano ao futuro do Mercosul: a energia é o mais importante fator de integração entre os países da região, e foi exatamente nesse ponto que surgiu a maior incerteza jurídica e contratual. Como investir pesado na construção da infra-estrutura energética entre esses países com esse grau de incerteza.

Os países da América do Sul estão dispersos: Colômbia e Peru têm acordo com os Estados Unidos. Uruguai já começou a negociar, e pode ser que o Paraguai vá atrás. Venezuela, Bolívia e Equador estão no projeto bolivariano, seja lá o que isso significa. Argentina está sozinha, mas brigando com o Uruguai e com várias queixas contra o Brasil na OMC. O Brasil está querendo integração de forma sincera, mas tem estado sozinho. O Chile está em outra, bem longe. Fechou acordo com os Estados Unidos e, agora, quer se aproximar da Ásia.

Para o Brasil, Mercosul é integração; para Chávez, é uma trincheira para a união do grupo contra os EUA. E isso é uma arrematada burrice. Os Estados Unidos são nosso maior investidor e maior parceiro comercial, só que vão perdendo participação relativa. Já representaram 25% das exportações brasileiras e hoje são 18%. Seria bom se fosse sinal de diversificação de mercado, mas os Estados Unidos compram produtos de mais valor agregado; a China, que tem ocupado mais espaço, compra apenas matérias-primas.

Os conflitos entre parceiros comerciais são, de fato, naturais. O ministro Celso Amorim contou que o Canadá está entrando na OMC contra os Estados Unidos por causa do milho. Mas o ministro admite que faltam mecanismos de solução de controvérsias locais. O problema é que a Argentina entrou na OMC contra o Brasil sem sequer uma consulta prévia.

A ampliação do Mercosul era necessária, mas a entrada da Venezuela dependeu de um convite e uma reunião. Não foram negociados os termos. Nenhum bloco cresce de forma tão precipitada; do contrário, fica sem consistência.

O Mercosul poderia estar se adiantando em alguns temas da agenda mundial, como o aquecimento global, cujos primeiros efeitos começam a se insinuar na região e sobre o qual o mundo inteiro se debruça. A região poderia estar discutindo padrões comuns de produção que evitassem a destruição do meio ambiente. Recentemente, o Paraguai iniciou uma alvissareira política do "desmatamento zero". A perseguição explícita de objetivos assim pode evitar barreiras comerciais no futuro contra produtos brasileiros por alegações ambientais.

O Mercosul teria muito a fazer, a discutir e a avançar. Se soubesse para onde quer ir.

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