Panorama Econômico |
O Globo |
17/1/2007 |
Se o Brasil tivesse oposição, ela teria percebido o que realmente está em jogo no Congresso: a restauração da confiança nos políticos; uma das bases da democracia. Não se dividiria entre o apoio a Aldo Rebelo ou a Arlindo Chinaglia, ambos defensores do aumento de salário dos deputados; ambos políticos de um governo no qual houve uma crise ética jamais enfrentada. Não faria tantos movimentos de olho em 2010, tendo tanto o que fazer em 2007. O que houve no Brasil nos escândalos do mensalão, de sanguessugas e dossiê aloprado foi a revelação de uma forma condenável de fazer política, com pagamento de propina a deputados através de agências publicitárias de empresas do governo; foi a confissão de caixa dois no partido do governo; foram negociatas com fornecedores do governo para que pagassem a deputados e senadores por emenda no orçamento; foi a compra de documentos falsos contra a oposição através do comitê de campanha da reeleição do presidente da República. Ainda sob o impacto desses escândalos - e das pizzas -, a opinião pública soube da proposta de aumento dos salários dos parlamentares. Quem a defendeu demonstrou não ter noção do tamanho da fratura entre a sociedade e seus representantes, e não entender que era preciso contrição ao fim de uma legislatura vergonhosa. O aumento foi defendido pelos dois candidatos governistas à presidência da Câmara dos Deputados e pelo candidato governista à presidência do Senado. Uma oposição digna do nome reconheceria os sinais de perigo, do verdadeiro perigo à democracia que está nesta onda de crimes sem castigo que avassala a vida política brasileira. Não entregaria seu apoio por uns acertozinhos obscuros em alguns estados. Saberia que dela se espera um trabalho de vigilância e de formulação de idéias para evitar crimes como os que foram cometidos. É duro ter que olhar para o norte para ver exemplo de acerto, mas o Partido Democrata, sob o comando de Nancy Pelosi, a nova speaker da House (presidente da Câmara dos Deputados), atacou o governo Bush em várias frentes. Diante do obscurantismo anticientífico, aprovou pesquisas com células-tronco; diante dos escândalos políticos dos republicanos, propôs regras para regular e dar transparência às relações entre políticos e lobistas; diante da proposta insana de nova escalada no Iraque, os democratas criticam a tática e a estratégia de guerra do partido do governo que já matou mais de três mil jovens americanos, consumiu bilhões de dólares e produziu o caos no Iraque. Se o Brasil tivesse oposição, ela teria um projeto alternativo em várias áreas em que o país tem cometido erros, tem andado para trás, tem ficado estagnado, tem contratado desastres. Teria apresentado isso de forma clara durante a campanha eleitoral. Mas teria trabalhado previamente: convocando inteligências de dentro e fora do partido, estudando casos, fazendo escolhas para saber que futuro o país deve perseguir e através de que mecanismos. Não teria desperdiçado tempo numa disputa intramuros sem significado sobre se o candidato à Presidência deveria ser o paulista A ou o paulista B. Teria feito primárias, com projetos e estilos expostos para que as bases partidárias e os eleitores em geral pudessem entender o que a disputa significava afinal. Uma oposição atenta perceberia que o colapso logístico que atormenta os brasileiros nas estradas, nas viagens aéreas, nos portos é sintoma de baixos investimentos e do colapso das agências reguladoras, que foram esvaziadas, deixadas sem quórum ou ocupadas por políticos. Teria notado que a suspensão, sem causa esclarecida, da licitação para as sete maiores rodovias federais do país pode atrasar por até mais um ano a implantação de um sistema de manutenção das estradas que pode salvar vidas. No Brasil, morrem, por ano, nas estradas malconservadas, mal sinalizadas, mal policiadas, 35 mil pessoas. Em apenas um ano, perdem-se dez vezes mais vidas de brasileiros nas estradas que de americanos em toda a guerra do Iraque. Número de calamidade pública. Oposição digna do nome reconhece e aprende com os erros que cometeu quando era governo. Não apoiaria aumentos insustentáveis para as aposentadorias sabendo o que sabe sobre a necessidade de reformas da Previdência; não apoiaria projetos demagógicos para constranger o presidente da República e o partido adversário. Teria a coragem de defender o corte de gastos, sendo como é, autora do plano que estabilizou a economia brasileira e a livrou de duas décadas de uma devastadora inflação. Se olhasse para o futuro com olhos de grandeza, veria que o Brasil precisa de projetos para enfrentar o atraso na educação, o crônico baixo crescimento, a assustadora violência e os desafios que novas provas científicas da mudança climática impõem hoje a todos os países. Um grupo que quer ser uma alternativa ao poder não faria oposição ao que está certo, mas apresentaria propostas de melhora; não ficaria em silêncio diante do que está errado e alertaria para os perigos; não participaria de acordos de cúpula mal explicados; não entraria em crise por uma briga no grupo do governo. Concentraria esforços em bem governar os 50% do PIB que o eleitor lhe confiou, e executar bem o papel de oposição legislativa para o qual o eleitor também a escolheu. A qualidade da democracia depende, entre outras coisas, de que a oposição saiba o seu papel e o exerça. É natural que a oposição queira ser poder no futuro; não é natural que ela não saiba dizer aos eleitores que idéias representa e para que quer o poder. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, janeiro 17, 2007
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