Panorama Econômico |
O Globo |
18/1/2007 |
O Mercosul vai se transformando numa coleção de conflitos e num palanque para o populismo de Hugo Chávez. Enquanto isso, os Estados Unidos costuram acordos bilaterais com países da região. Já foram assinados acordos com um bloco de cinco pequenos países centro-americanos, mais República Dominicana, Panamá, Peru, Colômbia e Chile. O bloco deles já tem 13 países das Américas. Os acordos bilaterais assinados pelos Estados Unidos nas Américas do Sul e Central serão agora unidos numa Associação Americana de Acordos de Livre Comércio. O plano é um Nafta ampliado, diz o professor Marcos Jank, da FEA-USP e presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais. Essa possibilidade levou o ex-secretário adjunto de Comércio americano Robert Zoellick a escrever recentemente no "The Wall Street Journal" que "se o Congresso americano aprovar esses acordos, os Estados Unidos poderão, finalmente, ter uma linha ininterrupta de parceiros de livre comércio vinda do Alasca à América do Sul". - O Brasil sempre disse que não se poderia fazer a Alca sem o Brasil, mas agora, pelo visto, os Estados Unidos estão fazendo exatamente isso - diz Joseph Tutundjian, especialista em comércio exterior. O artigo de Zoellick é interessante pelo que diz e pelo que omite. Diz que os acordos serão a base para todo tipo de estreitamento de relações entre países. Comércio é apenas um deles. Mas haverá cooperação em meio ambiente, nas áreas social, empresarial, acadêmica. O Brasil sempre viu a Alca como armadilha e, em parte por isso, comportou-se nas negociações de uma forma que ajudou a implodi-las. Zoellick - que, quando era adjunto, foi chamado de sub do sub pelo presidente Lula -, em seu texto, omitiu a existência dos outros países, como Brasil, Argentina, Venezuela. Sobre esse último, apenas uma indireta a respeito da onda de "populismo" em certos países. Hoje, não está mais no governo, e, sim, no Goldman Sachs. - Agora estão se aproximando do Uruguai e do Paraguai - avisa Tutundjian. Para os americanos, essa Associação de Livre Comércio também não é simples. O pior problema é a ausência dos principais países da América do Sul. Além disso, terão que passar por um Congresso dominado pelos democratas. O Mercosul permitiu um importante aumento do comércio ao longo da sua existência. Com todo o bloco, de 1991 até agora, o comércio quintuplicou. Saiu de US$4,5 bilhões para US$22 bilhões. Com a Argentina, o comércio é hoje seis vezes maior: saiu de US$3 bilhões para US$19 bilhões. É 86% do comércio com o Mercosul. Mas o comércio cresceu com outros países que nada têm a ver com o bloco. Com os EUA, saiu de US$10 bilhões para US$39 bilhões. Com a Venezuela, também quadruplicou, de US$923 milhões para US$4 bilhões. Conta rápida: o comércio com a Venezuela é um décimo do que é com os EUA. O Mercosul vive algumas encrencas. Argentina e Uruguai estão em briga que os levou à corte internacional por causa da construção de fábricas de papel no Uruguai. O Brasil nunca mediou essa crise. Pelo contrário, no último cancelamento de viagem do presidente Lula a Montevidéu, os jornais locais trataram a ausência como "fuga". A Argentina entrou com uma queixa contra o Brasil na OMC na semana anterior a esse encontro do Rio e com todos os canais de comunicação abertos entre eles. Chávez avisou que entra no Mercosul para "reformatá-lo" e "fazer um novo". Marcos Jank diz que a estratégia dos Estados Unidos, além do Nafta ampliado, é ligá-lo a outros blocos: - A estratégia tem sido a das competitive liberalizations: se a OMC não atende aos interesses americanos, a proposta é buscar acordos regionais, tipo Nafta e Alca. Se esses não avançam, a proposta é avançar nos bilaterais. Como a Alca não andou, os EUA foram atrás dos bilaterais com praticamente todos os países da costa pacífica (México, Chile, da América Central e, agora, os andinos). Trata-se, basicamente, do modelo "Nafta ampliado". Mas a novidade recente são os novos acordos que os americanos estão tentando fazer na Ásia-Pacífico, que têm característica mais geopolítica. Depois da Austrália e de Cingapura, o objetivo atual são acordos com Coréia do Sul, Japão e talvez os 10 países da Asean, no Sudeste Asiático - conta. Isso pode nos prejudicar por desviar mercados que poderiam ser nossos, explica Jank. - O problema mais evidente é o dilema clássico da literatura sobre trade unions. Quem faz acordos cria comércio e investimentos; países mais eficientes que ficam de fora são preteridos devido às novas preferências comerciais estabelecidas. Há vários indícios de que estamos sendo "desviados" (o comércio que seria feito com o Brasil é realizado com um país de dentro do bloco) no México, no Chile e em outros latinos fundamentais, principalmente nas exportações do nosso setor industrial. Isso porque os acordos assinados entre esses países e os EUA são muito mais profundos que o velho modelo Aladi, que desenvolvemos historicamente na região - alerta Jank. Enquanto isso, o Mercosul se divide entre brigas e demagogia. A presença da Venezuela dificulta para o Brasil qualquer acordo com os Estados Unidos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, janeiro 18, 2007
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