Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 06, 2007

Mais Estranho que a Ficção, de Marc Forster

Um gosto a adquirir

Em Mais Estranho que a Ficção,
Will Ferrell afinal mostra a que veio


Isabela Boscov

DA INTERNET
Trailer do filme

Em 1995, na sua primeira temporada no Saturday Night Live, Will Ferrell foi votado pelo público como o pior comediante da história do programa. Sete anos depois, quando deixou o posto, foi eleito pelo voto popular o melhor nome de todos os que passaram pelo humorístico, tirando do páreo concorrentes como John Belushi e Steve Martin. Há duas explicações possíveis para essa discrepância, e uma não exclui a outra: Ferrell é um gosto que se adquire; e ele é capaz de se adaptar, se aprimorar e aprender. Em Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, Estados Unidos, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, a validade da segunda hipótese fica especialmente evidente. Pela primeira vez, Ferrell se mostra menos um cômico e mais um ator. No filme dirigido por Marc Forster, de A Última Ceia e Em Busca da Terra do Nunca, ele interpreta Harold Crick, um descolorido fiscal da Receita que, na falta de qualquer outro sentido mais claro para a vida, o substitui por números e método. Harold escova os dentes 36 vezes na vertical, e outras 36 vezes na horizontal. Cronometra até a casa dos segundos o horário em que deve estar no ponto do ônibus, e dá na gravata um nó Windsor simples, porque o nó duplo consumiria todo um outro minuto do seu dia. A razão pela qual esses hábitos se tornam tão transparentes para ele e para a platéia é que, em dado momento, Harold começa a ouvir uma voz dentro da sua cabeça – uma voz de mulher, inglesa, que narra cada um dos seus gestos com mais estilo, e melhor escolha de palavras, do que ele próprio estaria apto a empregar.

Com a ajuda de um professor de literatura (Dustin Hoffman), Harold descobre que passou a ser o personagem de um romance que está sendo escrito por Kay Eiffel (Emma Thompson). Em grave crise existencial e criativa, a novelista luta para terminar o trabalho da forma pela qual é conhecida – matando o protagonista. Harold, naturalmente, quer convencer Kay a mudar o desfecho. E o filme, escrito com consideráveis esperteza e doçura pelo roteirista Zach Helm, tem de mostrar então por que ela deveria, ou não, alterar sua obra-prima para impedir o fim prematuro de um homem tão insignificante. A resposta a esse impasse está acima de tudo na atuação de Ferrell, que dá à sua persona habitual, a do tolo que não sabe que é tolo (sua imitação de George W. Bush é célebre), todo um novo sentido dramático: o de que mesmo as pessoas das quais se costuma desdenhar podem conter lances insuspeitos de grandeza. O que vale para o personagem, e também para seu ator.

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