A melhor novidade da política brasileira
é um grupo de deputados decididos a fazer
da ética o foco de sua ação parlamentar
Otávio Cabral
Montagem com fotos de AFP, Oscar Cabrallumi Zunica/AE, Fernando Bizerra/BG Press, Marcia Gouthier/Folha Imagem e Rose Brasil/ABR |
Erundina, Gabeira, Alencar, Jungmann e Paulo Renato: vontade pétrea de trazer de volta à Câmara a hegemonia da moralidade e da éticas |
O novo Congresso Nacional toma posse no próximo dia 1º de fevereiro. Os parlamentares que saem levarão consigo o fardo de ter participado daquela que foi considerada a pior legislatura da história, marcada por escândalos de toda ordem de grandeza, flagrantes de corrupção e pela descoberta da existência de uma horda de deputados movidos a dinheiro. O fim desse mandato, portanto, deveria ser motivo de alívio. Longe disso. A campanha pela presidência da Câmara dos Deputados tem mostrado que os políticos estão sofrendo de grave amnésia ou perderam de vez qualquer referencial daquilo que se costuma chamar de honestidade de propósitos. A disputa entre os deputados Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia, ambos da base de apoio ao governo Lula, revela que, para conseguirem os votos necessários à eleição, os candidatos continuam apelando para os mesmos métodos horrendos que detonaram os últimos escândalos políticos. Usam-se dinheiro público como moeda de troca, a perspectiva de poder como arma de sedução e promessas de todo tipo como arapuca. A conta desses acordos, como se sabe, sempre aparece depois sob a forma de algum trambique. A boa notícia é que nem tudo está perdido. Um grupo de parlamentares resolveu insurgir-se contra essas práticas e lançou um candidato que se propõe a representar o resgate da imagem do Legislativo. É uma iniciativa importante mais pelo que ela simboliza do que pelo resultado imediato que pode vir a apresentar.
Os deputados do grupo pertencem a oito partidos, alguns de apoio ao governo, como o PMDB e o PT, o que afasta a pecha de grupelho oposicionista. A idéia inicial era propor a escolha de um nome de consenso para a presidência da Câmara. Alguém que não estivesse envolvido com denúncias de corrupção, sem vínculo com parlamentares acusados e, principalmente, que firmasse o compromisso público com uma agenda mínima, como o fim do voto secreto e a transparência nos gastos. Como nem Aldo Rebelo nem Arlindo Chinaglia aceitaram assinar o documento, o grupo decidiu lançar uma espécie de "anticandidato". "É realmente complicado defender esse programa e conseguir votos, pois os deputados sem compromisso com a ética são ao mesmo tempo os eleitores e os grandes prejudicados com as medidas", analisa o deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, um dos líderes do movimento. "A Câmara já chegou ao fundo do poço, mas a vitória de Arlindo ou de Aldo aprofundará a vassalagem, a servidão e o imobilismo do Legislativo", afirma o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), outro líder do movimento. Na semana passada, Jungmann foi acusado pelo Ministério Público de chefiar um esquema que desviou 33 milhões de reais do Ministério do Desenvolvimento Agrário, pasta que ele comandou no governo tucano. O deputado estranhou que a ação tenha surgido no momento em que ele lidera o movimento e pediu ao Conselho de Ética da Câmara abertura de processo para analisar sua conduta.
O grupo pode até não conseguir eleger o presidente da Câmara. Pode nem conseguir lançar a tal candidatura alternativa. Mas levantes de indignação por uma causa justa nunca acontecem em vão. Quando surgiram as primeiras denúncias envolvendo deputados com a chamada máfia das ambulâncias, o corporativismo falou mais alto e ninguém moveu uma palha para apurar o caso. Foi por iniciativa de deputados ligados ao grupo que se criou a CPI dos Sanguessugas. Mais recentemente, por meio de ação na Justiça, eles conseguiram impedir que os deputados se autoconcedessem um aumento salarial de 91%. O próprio grupo, porém, tem sido vítima das ações que tenta abolir. O deputado Walter Pinheiro, do PT baiano, era um dos mais contundentes críticos do atual cenário. Calou-se depois de ser sondado para ocupar o Ministério do Desenvolvimento Agrário. José Eduardo Cardozo, do PT de São Paulo, chegou a ser cogitado como o candidato alternativo, mas sumiu das reuniões do grupo depois de receber a promessa de presidir uma comissão na Câmara. Júlio Delgado, do PSB de Minas, também desertou, seduzido pela promessa de cargos federais. A reforma política é urgente e necessária. Mas ela precisa ser precedida pela reforma dos próprios políticos – encarnada agora pela criação do grupo dos 30, que, embora seja ainda uma semente, representa uma das poucas boas intenções oriundas do Parlamento.