O Estado de S. Paulo
9/1/2007
O discurso do aperto nos gastos públicos foi mais ou menos unânime entre os governadores eleitos e reeleitos. Dos 27, 19 assumiram - ou reassumiram - falando em cortar cargos em comissão, reduzir secretarias, cancelar convênios, rever contratos e até, em casos mais radicais, em simplesmente atrasar os salários do funcionalismo.
Já o presidente Luiz Inácio da Silva, reassumiu indicando disposição de gastar. Rejeitou qualquer possibilidade de enxugar a máquina, estuda o aumento dos gastos nos programas sociais, acertou com as centrais sindicais aumento do salário mínimo à revelia da equipe econômica, vetou dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias que previa redução de despesas e, no discurso de posse pôs uma ressalva ao compromisso com a responsabilidade fiscal.
“Disso (a responsabilidade fiscal) não abriremos mão em hipótese alguma”, falou, acrescentando: “Mas é preciso combinar essa responsabilidade com mudanças de postura e ousadia na criação de oportunidades para o País.”
A dubiedade ficou no ar, dando margem a todo tipo de interpretação quanto a um período de frouxidão nos gastos, já que não detalhou o significado da “mudança de postura e ousadia” propostas para as ações do segundo mandato.
Deu tratamento político ao caso de Mato Grosso do Sul. Suspendeu o bloqueio das contas do Estado até o vencimento do prazo legal (amanhã) para o pagamento de R$ 27,9 milhões de parcela da dívida com a União.
O devedor, Zeca do PT, foi convidado de honra para a pescaria de férias do presidente. Sinal de que, na concepção de Lula, não há razão para impor reparos à conduta do governador, passível de punição legal, mas inimputável no quesito relações pessoais. Um mau exemplo, pois denota condescendência numa questão crucial.
Esse descompasso de atitudes entre a União e vários Estados da Federação pode revelar apenas uma diferença de visão no trato dos negócios públicos. Mas pode resultar mais à frente na abertura de espaço para os governadores reivindicarem, com bons argumentos, a renegociação de suas dívidas e a repartição dos recursos decorrentes da cobrança da impostos.
Se à União sobra dinheiro ao ponto de o presidente considerar desnecessária até a redução das despesas de custeio e decretar finda a era dos sacrifícios, por que não sentar à mesa com os governadores e negociar com eles uma relação mais camarada em termos de finanças públicas?
Quando a austeridade deixa de ser o parâmetro para a regra geral, a liberalidade não tem razão de ser a norma reservada só para alguns privilegiados.
No afã de se mostrar “um bom homem” para seu eleitorado e, assim, marcar o mandato que ficará no registro da História, o presidente Lula pode não ter percebido, mas corre o risco de ter contratado a abertura de demandas há muito reprimidas.
Falso brilhante
A veemência do presidente da República no palanque do Palácio do Planalto no dia da posse ao falar sobre segurança pública foi uma e a objetividade das ações federais possíveis no Rio de Janeiro é outra infinitamente menor.
Como de resto fica demonstrado na entrevista ao ministro da Defesa, ontem na Folha de S. Paulo. Diz Waldir Pires, explicando o real significado da ordem de intensificação de policiamento dentro das áreas federais:
“Significa uma mobilização maior de gente, não apenas dentro dos locais, mas que possa estar, digamos assim, junto dos locais que possam significar a presença da força federal, atenta a tudo que possa ocorrer em áreas em que o governo tem possibilidade militar de atuação. Fora daí, teria de ser alguma coisa na linha da execução da política de garantia da lei e da ordem.”
Deu para entender a estratégia de combate ao que o presidente Lula classificou de “terrorismo”? Pois é.
Não há estratégia alguma além do “pas de deux” publicitário do presidente e do governador Sérgio Cabral.
Do palavreado do ministro depreende-se que ajuda mesmo só com pedido de intervenção, declaração explícita de incapacidade de o Estado lidar com o problema, como manda a lei.
Como isso Cabral não fará, por considerar politicamente desastroso, até agora, concretamente, a conta da parceria Lula-Cabral na segurança soma zero. Produz algum resultado no quesito boa vontade. É um avanço virtual, mas não resolve.
Berço esplêndido
No ano passado, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, havia encomendado à Fundação Getúlio Vargas um estudo sobre redução de gastos na Casa.
Aventada a hipótese de o estudo ser apenas uma maneira disfarçada de garantir aumento nos subsídios dos deputados sem provocar grandes reações, Rebelo negou.
Fato é, porém, que depois do recuo, sob vara judicial, da tentativa do aumento de 90%, ninguém nunca mais ouviu falar do tal estudo, bem como nada mais se falou sobre a idéia de reduzir gastos.
Se o assunto voltar à cena, voltará junto o tema do aumento.
Entrevista:O Estado inteligente
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