Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 02, 2007

Dora Kramer - Bela forma de frágil conteúdo



O Estado de S. Paulo
2/1/2007

Muito mais bem escrito, bem mais longo e pretensioso, em termos de intenções, que o pronunciamento feito em 2003, no Congresso Nacional, o discurso de posse renovada do presidente Luiz Inácio da Silva deixou a desejar no quesito conteúdo.

Foi bem apresentado na forma, mas insuficiente para quem pretendia ler nas suas linhas e entrelinhas um roteiro claro das ações de governo para os próximos quatro anos.

Frases entraram e saíram ao longo das 13 páginas e, no final das contas, pouco se soube de objetivo além do que já se sabia e de uma nova sigla com a qual conviveremos nos meses a seguir: PAC (de pacote econômico), significando Programa de Aceleração do Crescimento.

Como de hábito, a marca publicitária se sobrepõe às ações concretas e saiu com a antecedência necessária de forma a constar como a marca forte do discurso, assim como foi a marca “Fome Zero” quatro anos atrás.

O presidente não se comprometeu com detalhe de nenhum tipo, começando por oficializar o abandono da meta dos 5% de crescimento econômico para 2007.

Preferiu as frases genéricas, desprovidas de substância objetiva. Tais como: “É preciso desatar alguns nós para que o País possa usar a força que tem e avançar com toda velocidade”; “O Brasil quer, num só movimento, resolver as pendências do passado e ser contemporâneo do futuro”; “Temos de construir consensos que não eliminem nossas diferenças nem apaguem os conflitos próprios das sociedades democráticas”; “Governar para todos é o meu caminho, mas defender os interesses dos mais pobres é o que nos guia nessa caminhada”; “É tempo do nascimento de um novo humanismo, fundado nos valores universais da democracia, da tolerância e da solidariedade”.

Todo o discurso foi assim, permeado por frases de boa forma, mas de frágil conteúdo.

Em alguns trechos, francamente fantasioso, como quando, ao se referir à política externa, Lula a qualifica de “motivo de orgulho” por causa dos “excelentes resultados que trouxe para a Nação”, quando a realidade registrou sucessivas derrotas em disputas em organismos internacionais e resultados inexistentes em missões como a força de paz no Haiti.

Os escribas do discurso do presidente foram pródigos no manejo dos adjetivos e avaros no trato dos substantivos.

Diferentemente do que fez em 2003, quando fez profissão de fé em defesa das reformas política, trabalhista, tributária e previdenciária, Lula agora limitou-se a defender com veemência a tributária - na direção da qual o governo federal não deu um passo para arbitrar os conflitos de interesse que a paralisam - e a dizer que a política é “prioritária”.

A continuação das reformas da Previdência e a revisão da legislação trabalhista ficarão para o sucessor. O presidente falou muito em “medidas” para incentivar o crescimento, reduzir burocracia, aperfeiçoar leis, mas suas abordagens não passaram do enunciado dos problemas.

A respeito de como resolvê-los, nenhuma referência. A única escolha clara posta no discurso pelo presidente foi a opção preferencial pelos pobres. Ainda assim, houve superficialidade no trato do tema.

Por exemplo, não deu para perceber como o programa Bolsa-Família será a “peça-chave do próprio desenvolvimento estratégico do País”.

Bem como na política não foi possível alcançar o significado concreto das palavras do presidente a respeito da proposta de fortalecimento de “um espaço público capaz de gerar novos direitos e produzir uma cidadania ativa”.

Pelo discurso, depreende-se que o governo pretende incentivar a democracia participativa - “Nossas instituições têm de ser mais permeáveis à voz das ruas”-, mas nada é dito sobre a forma de fazê-lo. Seria patrocinando a convocação de plebiscitos, ou referendos? A questão fica no ar.

Assim como carece de maior explicação a ressalva que o presidente fez no compromisso com a responsabilidade fiscal. “Mas”, excetuou ele, “é preciso combinar essa responsabilidade com mudança de postura e ousadia na criação de novas oportunidades para o País”.

“Mudança de postura”, “ousadia”, significam o quê, gastança? Tal como o discurso todo, podem ter “n” significados. Inclusive nenhum, sendo apenas um ajuntamento de palavras ótimas das quais nada se extrai.

Ponte aérea

No discurso de improviso no Palácio do Planalto, o presidente conseguiu, como nunca havia feito, transmitir a adequada indignação com ações do crime organizado, ao qualificar de “terrorismo” os ataques ocorridos no Rio de Janeiro pouco antes do fim do ano.

Só soou desproporcional sua reação em relação a fatos de natureza ainda mais grave acontecidos em São Paulo por semanas a fio durante a campanha eleitoral. Lá, a atitude presidencial foi bastante mais amena com a criminalidade e mais rigorosa com o adversário, ex-governador, responsável pela segurança pública do Estado.


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