Finalmente, o grande dia. O marco zero da jornada para a salvação. O dia esperado pacas - dia do PAC, o Programa para a Aceleração do Crescimento, a ser solenemente lançado hoje às 10 da manhã.
Tomara que seja!
É preciso precaução, porque jornalismo escrito é escrito na véspera. E nunca se tem certeza de que as coisas anunciadas pelo governo se confirmarão nas datas e nos horários previstos.
Mas vamos abrir os braços, mentes e corações para receber o PAC - que em artigo anterior dizíamos ser um de dois ectoplasmas. Continua a ser. Mas torçamos para que deixe de ser. Torçamos, também, para que não venha como mais uma daquelas coisas “nunca antes feitas neste país”, que já ouvimos tanto, das quais até o presidente Lula parece ter-se cansado, como reconheceu recentemente: “Não quero que seja mais um daqueles programas que o governante vai à TV e anuncia, anuncia e anuncia, e termina o mandato e vocês não vêem... Eu quero anunciar exatamente aquilo que a gente puder cumprir.”
Palavras apetrechadas de asas, diria Homero, dignas dos deuses, eis que “o governante” a que se refere tem sido, nos últimos quatro anos, ele próprio.
Mas, independentemente do conteúdo desse pacote - do qual falaremos, sem dúvida, durante muito tempo -, qualquer brasileiro que entenda um pouco de economia e finanças, e tenha acompanhado os inúmeros pacotes de medidas econômicas de vários governos, deve estar preparado para saber quais são os fatores que permitem fazer sobre ele uma boa avaliação - positiva ou negativa. E a primeira impressão é decisiva.
Antes de mais nada, ele tem de conter um conjunto de medidas que sejam “harmoniosas e coerentes entre si”, expressão que pode ter sentido maior e mais rico do que a ironia com que a utilizava o ex-ministro Delfim Netto. A grande maioria dos pacotes econômicos governamentais não produziu os efeitos desejados porque os agentes econômicos, as pessoas que entendem de economia, de finanças e de como pensa o mercado, perceberam de saída que as medidas baixadas eram contraditórias ou insuficientes para os fins visados, ou as duas coisas.
Um outro fator que leva também ao fracasso é a falta de foco das medidas. Quando elas procuram muitos alvos simultaneamente, nenhum é alcançado com a força necessária e o público fica sem saber o que era que o governo, de fato, pretendia.
Um dos poucos pacotes de governo que deu resultado positivo e praticamente imediato foi o do Plano Real, porque tinha foco bem definido - conter a inflação - e um método bem bolado de acabar com a realimentação do problema, a URV. O mercado percebeu de cara que ele teria eficácia e passou a jogar nessa eficácia, e não contra ela (com exceção do PT e de Lula, que, na ocasião, gastaram muita saliva para dizer que não daria certo).
Então, resumindo, um pacote econômico, seja qual for o seu nome e a sua finalidade, precisa ter foco e as suas medidas precisam ser harmoniosas e coerentes.
E qual é o foco do PAC?
Seu nome já diz: o foco é acelerar o crescimento! Então, todas as suas medidas precisam estar em harmonia com esse foco - isto é, contribuir de algum modo para acelerar o crescimento da economia - e ser coerentes entre si.
Esse é o parâmetro básico sob o qual o mercado vai avaliar o potencial de eficácia do PAC.
Daí podem partir para outras considerações.
Para acelerar o crescimento da economia a ferramenta principal é aumentar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como dizem os economistas, os investimentos, enfim, internos e externos, privados e públicos. E diminuir, ou pelo menos conter durante algum tempo, a taxa de crescimento do consumo público e privado. Caso contrário, em vez de crescimento da economia, teremos crescimento da inflação.
O que imediatamente sugere que as medidas do PAC devem ser aptas para atrair investimentos privados, nacionais e internacionais, e possibilitar que o governo também aumente sua capacidade de investir.
No que se refere à atração de capitais privados, é preciso lembrar que há nesse jogo, atualmente, quatro ou cinco competidores internacionais da pesada: China, Índia, Rússia, Vietnã e, aqui mesmo ao lado, Argentina, cuja economia está crescendo bastante há cinco ou seis anos - e há poucas coisas que atraiam mais capitais privados do que uma economia em grande crescimento há mais de cinco anos. Essa concorrência externa pela atração de capitais já está até atraindo para fora capitais nacionais. Então, o PAC vai ter de apresentar coelhos muito suculentos aos olhos dos galgos da corrida capitalista mundial para que eles deixem de olhar só para a Ásia e para quem já está com crescimento acelerado, e não apenas testando medidas para acelerá-lo. E esses coelhos serão tanto mais suculentos quanto menores forem os juros e a carga fiscal no Brasil e quanto maior for, aqui, a segurança regulatória, contratual e jurídica.
De outro lado, apesar das privatizações que já ocorreram, das possibilidades oferecidas pelas Parcerias Público-Privadas (até agora quase que só em promessas), das concessões, etc., a verdade é que o investimento público ainda tem enorme função na economia brasileira. O setor público já chegou a investir entre 6% e 7% do PIB nos anos dourados. Hoje investe menos de 1% do PIB e, pior, praticamente tudo nas chamadas “emendas parlamentares”, ou seja, numa miuçalha de coisas ditadas por interesses eleitoreiros sem nenhum grande efeito para o crescimento econômico. É preciso aumentar muito os investimentos públicos e dar-lhes muito melhor qualidade. Mas não com aumento de impostos. Isso aí é como o lençol curto que cobre a cabeça e descobre os pés - mais impostos capitalizam o governo e descapitalizam o setor privado (pessoas físicas e jurídicas). E, como o governo gasta mal o seu capital, isso derruba a produtividade média do investimento bruto que a economia recebe - um conceito que cabeças como a da ministra Dilma Rousseff, a do governador Roberto Requião (PR) e da súcia de figuras estatizantes que povoa o PT são incapazes de entender.
Em suma, se o governo quiser que o PAC seja avaliado positivamente pelo mercado e produza o efeito de acelerar o crescimento, ele não pode ficar apenas na distribuição de verbas para essa e aquela obra. Tem de dispor de modo convincente sobre a redução continuada dos gastos correntes públicos, a elevação continuada dos investimentos públicos, a redução cuidadosa dos juros, a redução criteriosa da carga fiscal em relação ao PIB, a reforma do sistema fiscal, o reforço da responsabilidade fiscal, o controle na execução rigorosa dos orçamentos públicos. Sem isso ficará sendo um ectoplasma.