Os contos completos de Juan Carlos
Onetti, uma das vozes mais originais
da ficção latino-americana
Miguel Sanches Neto
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Mais conhecido como o romancista de A Vida Breve (1950) e Junta-Cadáveres (1964), o uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) foi também um primoroso contista. Essa outra face pode ser conhecida com a edição em português de sua obra completa nesse formato, 47 Contos (tradução de Josely Vianna Baptista; Companhia das Letras; 442 páginas; 42 reais). Jornalista de profissão, Onetti construiu uma obra avessa à linguagem jornalística, ganhando fama de escritor difícil. Isso retardou seu reconhecimento internacional, que só aconteceu depois do boom da literatura hispano-americana, quando ele passou a ser cultuado por sua originalidade.
Essa originalidade, Onetti a conquistou pelo uso poético da linguagem, que subverte o real e a língua cotidiana. Também pelo embaralhamento dos fatos, que cria temporalidades tumultuadas. E ainda por uma consciência da limitação do narrador, que não detém a verdade das coisas. Muita coisa não é explicada nas histórias de Onetti, restando nelas sempre uma zona obscura – o que não atrapalha, antes amplia, a experiência de leitura. "Para mim, os fatos nus e crus não significam nada. O que importa é o que contêm ou o que acarretam; e depois verificar o que há por trás disso e por trás disso de novo até o fundo definitivo que nunca poderemos tocar", diz o narrador do conto Matías, o Telegrafista.
A originalidade também se manifesta no espaço. Onetti fundou uma cidade imaginária, Santa María. Suas principais histórias transcorrem nesse lugar sonhado. Há uma tensão permanente entre os acontecimentos dessa cidade nova, perdida na América do Sul, e o grande mundo. Como escreveu uma espécie de comédia da vida provinciana, com textos que mantêm ramificações entre si, Onetti é autor de uma obra, e não de alguns livros. Daí a importância desses contos completos, nos quais é possível acompanhar a evolução do autor.
Onetti partiu da experimentação narrativa, em que sobressai o fragmentário, para atingir a maturidade a partir dos anos 50, com as histórias densas de Santa María. São desse período seus contos mais primorosos, como Um Sonho Realizado e Jacob e o Outro. No primeiro, uma mulher paga para encenar um sonho em que ela foi feliz. E essa felicidade é a própria morte. No outro, o envelhecido campeão do mundo perde-se na província lutando mais para exibir seu passado de glórias do que para vencer, até encontrar-se de novo. Esses são os contos longos e cativantes. Já na sua última fase, em que Onetti está radicado na Espanha (a partir de 1975), sua arte se rende à praga do miniconto, com nítida queda de qualidade – destaque apenas para Presencia, em que uma farsa consoladora, montada por um exilado, acaba antecipando uma tragédia.
Os personagens de Juan Carlos Onetti são seres atormentados, que não acreditam nas promessas de felicidade. Resta-lhes sonhar o espaço, a linguagem (por meio da poesia) e a vida, como é próprio da grande literatura.