Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 06, 2006

Vinho pode virar álcool na Europa Alberto Tamer Estado



Enquanto o Brasil continua sonhando com Doha - vamos a mais uma reunião em setembro -, a União Européia anuncia que talvez terá de transformar seus imensos estoques de vinho, até mesmo raros, em álcool! Sim, os famosos vinhos franceses e italianos, diz a comunidade, estão perdendo mercado, até mesmo interno, para o Chile, a Califórnia, e, acreditem, a África do Sul.

A Argentina começa a aparecer no mapa e, quem sabe, logo mais o novo vinho gaúcho estará sendo servido nos bistrôs e restaurantes franceses.Mas qual a relação entre o vinho e o falecido acordo de liberalização do comércio agrícola?

A resposta agressiva veio nesta sexta-feira. Em matéria do correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, a comissária agrícola da comunidade, Mariann Fisher Boel, ela mesma de tradicional família de agricultores, em visita à Finlândia, afirmou textualmente que “uma reforma da política agrícola européia só virá após 2013”. Ela acha que pode haver algum corte pequeno na área de vinhos, frutas, legumes, até agora intactos, e nada mais. E foi categórica, açúcar (130% de subsídio!), leite, carne, etc., só daqui a sete anos. Para eles, a “cultura agrícola” é uma questão de honra.

O quê? Reunião? Não!

Só para ter uma idéia da radicalização européia, o comissário de Comércio, Peter Mandelson, e ela recusaram-se oficialmente a participar da reunião de setembro, na Austrália, mais uma tentativa para tentar ressuscitar Doha. Essa mesma reunião na qual o chanceler Celso Amorim confia tanto. Para os europeus, é como fazer massagem cardíaca num cadáver. A União Européia não muda de posição, vai continuar subsidiando seus produtores, que hoje representam apenas 4% da população. E, para variar, acusa os EUA de serem o principal obstáculo a qualquer acordo.

IRONIA INDELICADA

Madame Boel foi mais longe na sua arrogância. Tratou com ironia o encontro de Amorim com a representante de Comércio americana, Susan Schwab. “Quero ver o conteúdo nisso antes de tomar novos passos. Para ser sincera não espero ver muitas oportunidades (de retomar as negociações) no futuro próximo.” Ou seja podem falar a vontade, mas não estamos nem aí. Chega de conversa.

LAGOS DE VINHO...

Mas tudo isso o leitor já conhece. Vamos ao que é mais saboroso, irracional e esclarecedor. Os países europeus tradicionais produtores de vinho estão perdendo mercado externo. Entre eles, em primeiro lugar, está a França e, em seguida, a Itália. Jamil Chade informa que já se fala de “lagos de vinho”, que foram aumentando no decorrer de 30 anos de subsídios generosos e expandiram-se de forma inédita. As cabeças mais esclarecidas na comunidade recomendam um corte drástico nos subsídios, que custam, acreditem, 500 milhões por ano. E isso apenas para compensar os produtores europeus pelo excesso de vinho que não conseguem vender nem no mercado interno nem no exterior.

E ELES LIDERAM...

Ainda de acordo com dados oficiais, a área plantada com uvas destinadas à produção de vinho é da ordem de 3,4 milhões de hectares, ou seja, metade de toda área de produção de vinho do mundo. Há uma proposta de cortar essa área em 400 mil hectares. E, mesmo assim, sob forte oposição. Pode ser que nem isso saia.

E QUE VENHA O ÁLCOOL

Outra hipótese cuidadosamente avaliada é transformar parte dos estoques existentes de vinho em álcool. É, álcool. Isso também é oficial, está sendo estudado com grande seriedade, mesmo porque os países da comunidade, que não são grandes produtores, reagiram a continuar subsidiando um produto sem mercado e com novos e poderosos competidores.

Como sempre, os ingleses são os primeiros a protestar contra os estoques absurdos que não são apenas de vinho, não. Os estoques de grãos passam de 14 milhões de toneladas. E continuam crescendo porque houve um aumento nos subsídios e outros estímulos nos últimos 18 meses. A metade do estoque é de trigo, mas, lá, está sobrando de tudo.

É um absurdo? É irracional? É. Os lagos de vinho poderão virar milhões de litros de álcool combustível, mesmo porque, diz a comissária européia textualmente (copiando o Brasil...) “com o preço do petróleo a US$ 75 por barril, existe a possibilidade para a produção de bioetanol e biodiesel”. Os agricultores europeus podem confiar. Não serão abandonados.

E, enquanto isso, ficamos aqui no Brasil a negar a realidade que a madame nos atira na face e insistimos em ressuscitar a extinta Rodada Doha...

O que temos de fazer, isto sim, é acabar com esse bate-papo inútil, é fortalecer a nossa agricultura, ajudando a aumentar a produtividade, para enfrentar os subsídios de US$ 225 bilhões que EUA, Europa e Japão entre outros países desenvolvidos ofereceram em 2005 ao seus agricultores, ou seja, 29% da sua receita. Como já dissemos, europeus e americanos não plantam sementes, mas subsídios que também exportam. O que temos de fazer não é sonhar com as Dohas da vida, mas fortalecer a agroindústria brasileira que, com as commodities minerais, sustentou o crescimento da economia do País e dos superávits comerciais, mas que vive hoje uma das suas maiores crises. E isso para a felicidade da madame Boel, para a qual ninguém mexe com os seus ricos agricultores, esses mesmos agricultores que, juntamente com os americanos, competem com o Brasil.

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